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Mensagens

A mostrar mensagens de junho 15, 2014

A minha vida depois de ti.

Quando me morreste, eu era feito de lama, todo eu era mais sujo que o mais áspero e vulgar dia. Tentei limpar meu rosto no teu ventre, limpar-me todo da vergonha do meu estado, da dureza imunda do meu ser contaminado. Quando me morreste, nem te falei de tudo o que te fui roubando, em vida. As gargalhadas, as danças, mesmo os teus tremores de cama, quando me morreste, nem assim me perguntaste, se cá dentro ainda havia, amor, ou só o silêncio que aos poucos te foi matando. Morreste-me sem dedos em mim, que simulassem os gestos do tanto que me amaste. E eu, enquanto o mau mundo só meu, não mais me redimia, fui-me arrastando, descendo o mais baixo que podia. Quando me morreste, despentei o meu cabelo despi-me por baixo da merda e vim-me, despejando em ti o meu próprio fim, sem pensar sequer neste meu crime. Quando me morreste, o mundo inteiro escureceu, em meu redor, tornou-se água impura, lodaçal onde chafurdo como torpe animal e havendo

A caminho da tristeza.

Ando triste por estes dias: Aquela tristeza de pássaro sem nuvens, planando pelos telhados entre a maresia do tempo soalheiro e a longa cumeada estéril, sem alimento. Ando triste, pronto. Nem sempre a tristeza precisa de uma explicação, talvez até seja mais triste assim. Um fio de treva cá dentro, a povoar-nos de humidade. Estou sem explicação . São tão grandes as minhas dúvidas, que só me inspiram desalento. Detesto isto. Estar assim, triste! Triste e outros tantos atributos construídos sobre adjectivos soturnos de igual modo. Tristeza! O que é isto? Estou incoerente. Escrevo as minhas coisas e concentro-me no plano de vida. Tenho amor e tenho amigos, mas, ao mesmo tempo, não tenho ninguém que se interesse por mim. Estou egoísta . Estão todos interessados nas suas próprias alegrias e tristezas e eu, rancoroso do desdém que nem me atiram, definho. Estou parvo! Escrever sem leitores é uma prisão sem carcereiro, enganadora de uma liberdade que realmente não existe, fora da nossa

Tão pequeno que é amor.

Somos partes pequenas e iguais, vivemos engrenados enquanto servimos o maior dos mistérios, até que se esqueçam de nós ou que este nos falte. Aí, então, fazemo-nos de grandes, insuflados gigantes rídiculos de passos largos, sem rumo. Porque deixámos de ter um sítio seguro onde funcionar. Foram esses os inventores do amor, sim, esses! Os enormes vazios que erram agora sem destino. Perdidos. Criáram-no um dia, no dia em que se fartaram de ser pequenos e sem importância. Depois, tudo se tornou mais difícil. Perderam-se pelas cidades em magotes de gente cheia dos mesmos iguais anseios. Impossível de se vislumbrar de tão vasta altura. Enormes peças imperfeitas de gente. É que não se pode amar sem perder o medo desta mecânica. Corpos juntos, insignificantes, mas eternos. Sem escolhermos a coragem da geometria. Ruas que cruzam ruas, esquinas que dobram vidas, jardins onde os nossos corpos passeiam e se escondem, embaixo dos verdes tectos onde o amor cresce e se alimenta de noite, sem nunc

O cheiro do fogo no teu rosto

O teu rosto enche-me a memória, de uma visão triste, aquele instante que precede o fim, antes mesmo de as minhas mãos lhe tocarem, ou se encherem da ansiedade de cimento, de um vento fresco que chamo de o fim do tempo, morreriam felizes, a iluminarem-se, do toque que o teu olhar pousa em mim. Se houvesse alguém eleito para o descrever,  seria pálpebra, pálpebra, nariz em curva, lábios de carmim. Escondes em teu rosto a alma secreta da minha paisagem profunda, feita de socalcos de rugas, de limites passageiros,  de tanto que perdura cá dentro. E nos céus áridos da minha imaginação, passo de homem a vegetação verde que vive para te ver. Arrefecido de pedras, à noite, a descansar nos teus restos de calor, entre o verde brilhante da tua visão fecunda, e a água parada da minha pobre consolação. De luz em luz, em constante credo, alvoraço a palidez desconjuntada deste fugaz ardor, a tua face límpida da minha, os teus dentes movendo-se iguais ao m

Contra os alemães marchar, marchar!

Sem querer, apanho-me sozinho num canto a acariciar sem despudor uma bola. Foi mais forte do que eu. Tive de o fazer, ainda que esta chiasse e chiasse enquanto fazia deslizar os meus dedos suados na sua superfície luzidia de couro e fio cosido, não me pude conter. A seguir, ergo aos céus estes olhos maníacos de pecador, e imploro por ajuda, porque se Deus existir, não pode de certeza ser alemão.  Inspiro longamente, intenso. Aquele respirar era meu, mas também podia ser o arfar de um trabalhador das obras que luta por chegar empregado ao final do mês, ou o sopro ligeiro de um rico, que até pode ser um bom pedaço de merda, mas hoje passa por ser português também. Do estudante inquieto que entrou de férias, da bailarina sedosa da mais rasca casa de strip, do reformado silencioso sentado no banco de madeira no centro do jardim coçando os enrugados, dos expatriados que nunca nos deixam durante a comunhão do jogo, da dona-de-casa despenteada, do secretário que vendeu a alma para mante