Muito lentamente, aproximo o pequeno copo, oblíquo, ao centro da minha boca. A outra mão, mais triste ainda, faz circunferências desinteressadas sobre o prato florido que acolhe a rabanada que escolhi para comer nesta noite. Por instantes, atravesso o olhar pela janela azul, que já não mostra bem a cor do dia, mas, que ainda não recebe todo o breu da noite. Sinto uma enorme falta de agasalho no corpo, cerro os olhos e sei que não é frio aquilo que sinto. A memória conhece estes gestos, estas tremuras, mas faz de propósito por olvidá-los, mistura-os sem pressa no desfiar deste tempo, deste dia, certa de que já não importam tanto como quando era menino, e mais ainda, pela metade grande da minha vida. A memória sabe que já nada é igual, e o corpo corresponde, obediente, caindo numa apatia de desânimo. Daqui a nada, a família vai querer levar-me a ver a chegada dos Reis por entre o bulício do pequeno adro da igreja da Lapa e arredores circundantes - Temos de ir, é tradição. - dizer-m...