O ano mal começou e cai-me esta notícia no colo como uma desgraça de família; morre David Lynch ! A idade ilude-nos a acreditar que viveremos sempre na presença daqueles que nos trouxeram pausas de alegria, na jornada muito póstuma já de um caminho trágico que julgámos, de tempos a tempos, ser real, até nos defrontarmos com a omnipresença da surrealidade como uma amiga do peito, da qual já não prescindimos jamais. Isto é o cinema do David Lynch. Tenho 53 anos e vi todos os filmes e séries e curtas e experimentações cinematográficas que da cabeça deste homem surgiram. As ideias foram sempre o cerne da sua arte. E este empurrou-as para diante, à força por vezes, noutras, em uma calma de brisa de verão, muito como um poema alastra pelo vasto espaço de um sonho comum. Quis fazê-lo assim, pois esta era a sua visão do mundo. Quase nunca se sublimou, ou fez pouco, ou ambos. Poucas vezes se entregou à injúria da ganância como justificação dos seus interesses artísticos. Não! Por seu turno...