Avançar para o conteúdo principal

Mensagens

A mostrar mensagens de dezembro 24, 2017

As Crónicas do Senhor Barbosa VI

Aos últimos dias do ano encontraram-no ainda a picar um dragão com uma lança de arame, sempre quixotesco, na esperança que o gosto da perdição diminuísse mas não diminuía. - Nunca nada me diminui aqui à espera por um bocado de sorte. - pensou o Senhor Barbosa. Nisto sentiu uma restolhada imprevista no peito, entre as mamas feitas de desolação, flácida carne de desespero acumulado. Fincou-lhes os dedos por baixo e largou-as, uma e outra vez ao espaço.  Pegava-lhes e largava-as. Duas, cinco, vezes e vezes sem conta. Fazia-o de olhos fechados que os espelhos há muito que os retirara da casa. Também não diminuíam. O Senhor Barbosa lembrou-se muitos anos antes, de ter sido visto por algum outro desgraçado a caminhar nu o fio direito do murete da marginal. Afinal estava-se o ano a acabar e parece que se festeja a renovação, a esperança da mudança no novo. Assim fez e prenderam-no. Não foi a primeira vez que o encarceravam por querer ser livre. Não seria a última. O Senhor Barbosa, no

A Dureza do Fogo

Outrora fomos cinza, enxofre e um breu grosso. Caminhantes que se atrasam sem se saber já mortos. Fomos faúlhas de morrão que nunca acende. Sim, fomos um passo de vento, lento e incessante, que empurra para longe o que é nosso, e nos deixa n’alma o fogo dos tormentos. Fomos o que nos castra, nos tira, nos rouba, nos prende, nos torna neste ser que não recua nem vai avante. E eu não quero mais ser pedra a arder nesta fogueira. Por isso me ergo e lhe quebro a dureza, com ritos impenetráveis de suaves pilastras, não mais carentes de serem gume. Por isso escrevo desta maneira, Pois é a forma que espanto, é a certeza, O fio etéreo com que remeto minhas palavras, Confiante de sair incólume. Hoje, hoje somos todos pedras irmãs, roliças, delicadas e cientes desta empatia. Se, em tempos, (como muitos iguais) Fomos arestas rudes que cortavam, as tristes penas de nossas vidas vãs, agora, não mais deixaremos de sentir que existe poesia, no falso fundo

Dia sim, dia não uma beleza antiga

Carrol Baker

Brilho fosco das Mudanças - Parte 4

continuação... - Deus nosso senhor! – Exclamou de acanhamento. – Isto nunca antes me havia acontecido. - Estás bonito, estás, ó Viriato. – Diz-lhe ela. Era a primeira vez que se lhe ouvia a voz barítona. - Aposto que bebeste algum vinho novo, fermentado a martelo, comeste figos maduros ou farinheiras de colorau estragadas, não foi? – Replicou-lhe de mãos postas às ancas fartas. - Sossega lá. Deixa que a Germina já te faz uma canja pura que te limpa os canos dos pés até à alma. Ele assim assentiu, sem mais nem menos, só pela boa estranheza que o seu toque lhe trazia às entranhas. Germina fez-lhe a canja a voar, e obrigou-o a engolir duas colheres em um longo intervalo. À segunda, Justino teve um vómito erótico que lhe subiu das virilhas até à glote e largou tudo para o prato, mas ela não se melindrou por isso. Sem grandes trejeitos, levantou o saiote e a combinação e colocou a mão dele sobre a sua perna nua. A canja sumiu-se do prato num milagre. O velho Justino fez contas às

O Natal do Saramago