Perigosamente conto as memórias de uma nuvem. Quando nasceu, não mais que um pingo, uma gota, que pingou e respingou, foi levada na corrente e resvalou, caiu bela e dispersa, e quando chegou, por fim ao seu destino, notou... que não tem fim. E subiu, elevada em vapor brumoso, juntou-se a outras, amigas de infância, pingas e pingas e pingas, e gotinhas amigas de correrias, companheiras de rodopios, levadas ao longe por rios, tragadas por tantas águas e mares e por fim, juntas, de novo juntas, na nuvem que passa. Não uma, mas um bando delas, dando o ar da sua graça. E lá ao longe, mais além, eis que se acinzenta todo o céu, e cá em baixo todos fogem ao abrigo. Aquela nuvem, agora fria de tristeza, descobre por fim o fim do seu destino. Não ter um amigo. Cá em baixo, quem a recebe de bom grado? Ninguém, ninguém, nem eu, é assim a natureza. in: " Poemas por Tudo e por Nada " Corpos Editora 2011