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A mostrar mensagens de novembro 18, 2018

A rubrica da Madalena Patusca I

O resto do dia cismei aquele encontro. Quiçá mesmo o resto da minha vida. O coração de um outro é sempre uma escura floresta onde se aventuram apenas os verdadeiros apaixonados. Para o lado oposto da estrada já quase ficava outra terra, e ali não havia quase nada de amor-próprio. Como foi que ganhei coragem para estar ali naquela praça, naquele dia, naquela hora? Nunca o saberei. A minha vergonha era rija como se imaginaria que fosse o dorso de um rinoceronte. Encouraçada naquela frustração, perante o fim inusitado da faca do tempo, deixei-me estar.  Isto, até o saber ali, vivo. Nem sei porque me apetece contar esta vulgaríssima história de um amor estranho. Mas, como poderei resistir à tentação de reproduzir este nosso momento? Juraria, apesar de tudo, que aquele encontro, à deriva do que ambos éramos por dentro foi a grande excitação das nossas vidas. Mal lhe afaguei o cabelo, soube que também ele sempre me amara sem saber. E provou-me. Tocou-me no braço, e depois pegou-me n

Black Friday?

Começar um novo Livro por Acabar Poema 5 Depois do primeiro olhar apanhado de surpresa fora das margens, ficaste sentada num nicho de pedra azul naquele novo absoluto pasmo que se sente face ao branco de um começo. Aí escreveste o nosso romance inteiro.  Um breviário. O ponto final foi a mais perfeita sentença que sempre imaginei para uma tarde só feita de olhos postos. Deslizaste-os lassos pelo meu peito assolado pela fome  de meses inteiros de iliteracia e aí deixaste a frase a começar um resto de dia para sempre. Logo despi todos os medos no calmo rio, defronte. Misteriosamente, libertou-se uma mecha do teu cabelo pelo vento do entardecer e os teus lábios nem se mexiam eram só o teu sorriso parecido a um fogo-de-artifício em câmera lenta, luzes lentas num fim de tarde quente de Verão, abrindo a minha frágil trincheira.. Falhar-te-á um dia a minha memória, e o que fomos ruirá, no primeiro vento que o levar.

As Crónicas do Senhor Barbosa XIV

Clareara-se o dia. As nuvens pareciam um outro mundo só montanhoso feito de cal e pendurado lá em cima, em cima da sua janela. Notoriamente o senhor Barbosa perdera a batalha contra a própria determinação, mas quiçá ainda se pudesse salvar algo desta sua guerra. Lá fora, na praça lavada de paralelos, estava uma mulher parada ao lado de um dos pilares dos arcos. As outras pessoas passavam para aqui e para acolá, porém, aquela mulher não se mexia do seu lugar. Tinha um pescoço delgado e a cabeça atirada para trás, com os olhos presos à sua janela. - Não pode ser. - Pensava o Senhor Barbosa. No entanto, a sua razão esforçava-se por romper os véus da descrença e por compreender a situação. - Devo abrir a janela? - Continuou nos seus pensamentos. - Não. Não será nada comigo. Admirará apenas o edifício, certamente. - Todavia, de modo algum conseguia desviar dela o olhar, também. Pareciam ambos trancados um no outro. Fechados pelos olhos e oblívios a tudo o resto. Foi ela quem rompeu

Perguntar não ofende.

Pergunto-me se ainda existirão editores valentes, impregnados daquela invulgar audácia que só cabe aos verdadeiros iconoclastas. Editores atirados a fugirem dos mercados e da necessidade de se sistematizar tudo ao ínfimo tostão da mais valia. Pergunto-me se ainda existirão pessoas assim, que liderem uma editora, ou que trabalhem numa. Pessoas assim que ainda se atrevam a ler blogs com trinta e cinco seguidores, que se deparam com um excerto como este que aqui apresento e que sintam curiosidade em vez de lástima. Pergunto tanta coisa em uma só frase que se calhar já os  afugentei... (...) O vento baixava dos telhados nas manhãs de Abril. E as nuvens ficavam lá no alto à espera de que o bom tempo as fizesse descer para o pátio. Enquanto isso ficava vazio o céu azul, deixava que a luz caísse toda no jogo do vento removendo a poeira e batendo nos postigos como o  assobio dos amoladores de facas. - Estás na mesma, que bom, fica assim. Nunca mudes meu filho, nunca. – Diz-me ela