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Contra os alemães marchar, marchar!

Sem querer, apanho-me sozinho num canto a acariciar sem despudor uma bola. Foi mais forte do que eu. Tive de o fazer, ainda que esta chiasse e chiasse enquanto fazia deslizar os meus dedos suados na sua superfície luzidia de couro e fio cosido, não me pude conter.
A seguir, ergo aos céus estes olhos maníacos de pecador, e imploro por ajuda, porque se Deus existir, não pode de certeza ser alemão. 
Inspiro longamente, intenso. Aquele respirar era meu, mas também podia ser o arfar de um trabalhador das obras que luta por chegar empregado ao final do mês, ou o sopro ligeiro de um rico, que até pode ser um bom pedaço de merda, mas hoje passa por ser português também. Do estudante inquieto que entrou de férias, da bailarina sedosa da mais rasca casa de strip, do reformado silencioso sentado no banco de madeira no centro do jardim coçando os enrugados, dos expatriados que nunca nos deixam durante a comunhão do jogo, da dona-de-casa despenteada, do secretário que vendeu a alma para manter o cu intacto, de todos, de todos os puristas, os fanáticos, os de ocasião, os que simpatizam e os que transpiram ódio amíude. Não importa, hoje somos todos fieis a este patrotismo de frémito, de unhas roídas, cerveja na mão e gritos de falsete. Eu sou todos estes. Podem até não me acreditar, logo eu que nem sei os nomes dos jogadores do Rio-Ave, quanto mais enumerar aquela multidão de estrangeiros do Porto ou do Benfica, sou eu mesmo também, que, em dias como hoje, trago na ponta da língua, todos os nomes e apelidos daqueles vinte e três moços que andam para ali a correr de um lado para o outro. É uma coisa sem explicação racional, que só consigo inferir ser pelo imenso orgulho que tenho de ser português. É deste privilégio, que me nasce a vontade de vestir cachecól e gorro de lã, lançar uma bandeira ás costas e sentar-me na pontinha do sofá, naqueles raros momentos em que não me encontro aos saltos e a apalpar uma bola, como se fosse um tesouro. No fim de contas, é isto mesmo: até podemos ter uma paixoneta pelo desporto, mas eu sou daqueles que, sem gostar grande coisa de futebol, tenho verdadeiro amor pela minha selecção. E quem poderá saber de que razões se faz o amor? Eu não.

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