Começar um novo Livro por Acabar
Poema 5
Depois do primeiro olhar apanhado de surpresa
fora das margens,
ficaste sentada num nicho de pedra azul
naquele novo absoluto pasmo
que se sente face ao branco de um começo.
Aí escreveste o nosso romance inteiro.
Um breviário.
O ponto final foi a mais perfeita sentença
que sempre imaginei para uma tarde só feita de olhos postos.
Deslizaste-os lassos pelo meu peito
assolado pela fome
de meses inteiros de iliteracia
e aí deixaste a frase a começar
um resto de dia para sempre.
Logo despi todos os medos no calmo rio, defronte.
Misteriosamente,
libertou-se uma mecha do teu cabelo pelo vento do entardecer
e os teus lábios nem se mexiam
eram só o teu sorriso parecido a um fogo-de-artifício
em câmera lenta, luzes lentas
num fim de tarde quente de Verão,
abrindo a minha frágil trincheira..
Falhar-te-á um dia a minha memória,
e o que fomos ruirá, no primeiro vento que o levar.
Pensa com força nessa tarde,
tu sentada nua ao lado do meu incêndio,
resgatando os livros que me restavam
de dentro do fogo no meu peito.
Imagina-os como se fossem ainda
como se ainda os houvesses só teus,
leves murmúrios do eco de duas vozes mudas, numa.
Ou talvez, mais pequeno, o mero entoar destas minhas palavras..
Pedir-te-ei apenas isto: para que saibas eternamente,
tudo o que nunca esqueço,
sobre o mármore tortuoso daquela tarde selvagem,
que para sempre marcou,
as poucas horas das únicas palavras que conheço.
"Jardins Exaustos de Pele e Osso"
Edição de Autor - 2015
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