Avançar para o conteúdo principal

O Horror dentro de todos.


Lamento a forma propícia, de quase profana alimentação sistemática de determinados egos dormentes, que a propagação de certas imagens suscitam. É quase como se aguardassem a iminência do horror para se mostrarem humanos pela primeira vez.
Lamento também a frase que escrevi antes desta, por pensar primeiro na acusação sumária e só depois, mais profundamente, na necessidade de se mostrar uma criança morta numa praia como mote para uma acção de choque.
Igualmente lamento a humanidade, eu incluído, sempre dividida neste dilema. Se prestarmos atenção, é fácil perceber que não há realmente uma guerra aberta entre mostrar e não mostrar. O que há é apenas um choque de desconfortos, que nada mais é que a discussão contínua sobre o entendimento do horror, e sobre a dúvida de se devemos ou não lavar as mãos nesta água suja e mudarmos imediatamente de imagem, ou nos forçar ao entendimento destas mesmas imagens, sujando-nos também no processo.
Já quase me havia esquecido, e lamento-o de igual modo, a decisão certeira e clara do General Eisenhower, comandante-em-chefe das forças aliadas durante a 2ª Grande Guerra em trazer as populações alemãs das localidades circundantes aos campos de extermínio judeu, até estes locais de horror, de modo a assistirem ao vivo, em forçado choque, ao que durante anos fizeram de conta que não era real, antes que estas imagens se dissipassem da memória imediata.
Hoje em dia já é mais fácil testemunhar, aliás chega a ser tão fácil que é preciso querer fazer sobreviver o choque no cérebro, para salvar pelo menos o esqueleto, os pilares da nossa civilização humana.
Porque o verdadeiro sentido de se mostrar o horror deve de ser este, e lamento ter de o dizer por baixo da minha própria linguagem de homem céptico, nem então, nem agora, nem depois, nos devemos de esquecer quão facilmente somos reduzidos à condição amorfa de assobiar para o lado. É uma imagem que nos faz calar de tanta dor e pena. É uma imagem que nos faz sentir impotentes. Que deve fazer-nos reflectir, sem nos fazer emudecer.

Se não viram ainda vejam. Se já viram, vejam de novo, que o horror só deveria existir para nos obrigar a caminhar direitos, como se fizéssemos um balanço interior e pensássemos: não seria bom se fosse a última vez?

Imagem: Reuters

Comentários

Mensagens populares deste blogue

A queda de um anjo triste.

Desafogados brilhos desta existência, quis olhar em frente, e vi somente escuro. Escuro, escória, lixo, lama e penetrante breu. Quis seguir em frente e não mo permitiram. Quis marcar presença, caí, e fui banido. Quis viver, e fui marcado a fogo com o rótulo do nada. Malditas palavras que me acendem esta vivência, pudera eu ser livre, e não viver por trás deste muro. Ser vento, ou poeira, e correr solto pelo esplendor deste céu. Malditas palavras que de mim emergiram, ainda mal as proferia, e já as via, abafadas em seu ruído, como se fossem pássaros, abatidos em revoada. Como eu mesmo, abatido assim, em tenra idade. Mas sosseguem, pois sou coisa irritante que insiste em não morrer. Malogrado pela estupidez do desprezo, sou, ainda assim, Homem! Homem! Homem... Estou vivo, e não desabo. Desafogado percurso que ainda mal começa, não verás teu fim nesta desdita amordaçada. Quis dizer o que quis, e não me faltou a vontade. Mais fáci...

Acerca de Anderson's...

Hollywood é um gigantesco cadinho demente de fumos e fogos fátuos. Ali se fundem todos os sonhos e pesadelos possíveis de se imaginar.  Senão, atentem, como mero exercício, neste trio de realizadores, que, por falta de melhor expressão que defina o interesse ou a natureza relevante deste post, decidi chamar-lhes apenas de os " Anderson's ". Cada um mais díspar que o outro, e contudo, todos " Anderson's ", e abundantemente prolíficos e criativos dentro dos seus géneros. Acho fascinante, daí querer escrever sobre eles e, no mais comum torpe da embriaguez, tentar encontrar alguma similitude entre eles, além do apelido; " Anderson ". Começarei por ordem prima de grandeza, na minha opinião, e é esta que para aqui interessa, não fosse este um blogue intrinsecamente pessoal onde explano tudo e mais qualquer coisa que me apeteça. Sendo assim, a ordem será do melhor para o pior destes " Anderson's ".  O melhor : Wes Anderson .  O do meio : Pau...

O discurso do Corvo.

Eis-me aqui, ainda integralmente vivo e teu, voo ao acaso, sem saber por quem voar, por sobre rostos de carne, palha e infinito. Trago as mãos feitas num espesso breu, toldadas pela sede de te possuir e de te dar, o ténue silêncio, que é tudo aquilo qu'eu permito. As palavras, quando são poucas, sabem melhor, dizem tudo melhor, se forem poupadas. Abre os braços então, e recebe-as em teu seio, a secura desta terra já consome o sangue do meu terror. Já falei, e agora vou voar num céu de pequenos nadas, disperso no bando obscuro, mesmo lá no meio. De modo que, apesar da lucidez dos meus instantes, continuo sempre algures, no longo espaço que nos envolve. Nada temas destas mãos de cinza que já não tem dedos por onde arder, Eis-me para sempre, nos interstícios perdidos e distantes, desta paixão que é dada, e que não se devolve, e que é minha e tua, porque assim tinha de ser! Casimiro Teixeira 2012