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A queda de um anjo triste.


Desafogados brilhos desta existência,
quis olhar em frente, e vi somente escuro.
Escuro, escória, lixo, lama e penetrante breu.
Quis seguir em frente e não mo permitiram.
Quis marcar presença, caí, e fui banido.
Quis viver, e fui marcado a fogo com o rótulo do nada.
Malditas palavras que me acendem esta vivência,
pudera eu ser livre, e não viver por trás deste muro.
Ser vento, ou poeira, e correr solto pelo esplendor deste céu.
Malditas palavras que de mim emergiram,
ainda mal as proferia, e já as via, abafadas em seu ruído,
como se fossem pássaros, abatidos em revoada.
Como eu mesmo, abatido assim, em tenra idade.
Mas sosseguem, pois sou coisa irritante que insiste em não morrer.
Malogrado pela estupidez do desprezo, sou, ainda assim,
Homem! Homem! Homem... Estou vivo, e não desabo.
Desafogado percurso que ainda mal começa,
não verás teu fim nesta desdita amordaçada.
Quis dizer o que quis, e não me faltou a vontade.
Mais fácil seria calar-me agora, do que deixar de viver.
Mas sou tolo, e não permito à apatia o ditar de um fim,
não permito que as palavras acabem no que eu, não acabo.
Pois que cada letra é um deslumbre sem sábio que a meça,
Cada palavra, uma ventania furiosa alevantada.
Malditas palavras que me fizeram tão bem.
Que culpas minhas posso eu vos atribuir?
Sereis vós a minha perdição desafogada,
ou mero instrumento rombo desta existência?
É bem certo...
Quis dizer, falar, gritar...quis ser mais do que simples poema,
E logo mas cortaram, ceifando-as como se fossem lixo.
Triste porvir deste mar invisível que, à força me arrasta,
que tudo carrega em tempestades que estão por vir,
que tudo magoa, tudo destrói, de tudo faz nada,
como se fossemos todos uma intermitência.
Falemos agora pois, ou, malditos, calemo-nos para sempre.
Maldita boca que fez sua a palavra malograda,
Maldita mão, que decepou a verdade escrita.
Que começou o caminho sem vislumbrar uma meta.
Começando o discurso, não há voz que lhe basta,
nem tampouco um silêncio que lhe possam pedir.
Malditos todos, os que, por estupidez se desgraçam,
Em adultérios de mentiras pela palavra acabada.
Porque eu, eu...ainda estou vivo,
E persisto em ser homem! Homem! Poeta...

Casimiro Teixeira - 2011

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António Ramos Rosa, in "O Grito Claro" (1958)

A ilusão de morrer.

Aqui estou no pouco esplendor que expresso. A tornar-me mais e mais fraco à medida que envelheço e perco a parca noção de humanidade que um dia posso ter tido. Só antecipo resultados finais de má sorte. Dor, doenças malignas de inescrutáveis resultados, possibilidades de incontáveis suicídios sem paixão, paragens cardíacas no galgar das escadarias de S. Francisco. Atropelamentos fatais nas intersecções de estradas mal frequentadas. Facadas insuspeitas pelas noites simples de uma pacata Vila do Conde. Ontem quis ir à médica de família, talvez me pudesse passar algum veredicto. Não fui capaz. Não admito os médicos e as suas tretas 'new age'. Há menos de meio-século atrás, esta mesma inteira profissão fumava nos consultórios e pouco ou nada dizia sobre pulmões moribundos. A casa na praia valia mais que o prognóstico verdadeiro impedido. Aqui estou, contudo. Ainda aqui estou. Trapos e lixo vivem melhor as suas existências que eu. Escrevo isto, bebo, escrevo, mais três cigarros. Que