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A inveja, essa mama flácida.

Se for correcto afirmar-se que a mentira tem perna curta, daquelas de saltos ortopédicos e tudo, então considere-se também a inveja como um perneta gradual, daqueles coitadinhos a quem tiraram talhadas atrás de talhadas de caminho progressista, até lhes restar pouco mais que dores fantasmas de amputados, e não pararem de resmungar impropérios por isso. 
A inveja transforma-nos em pequenos bufarinheiros de meia-tijela, alcoviteiros de tasco que tudo alvitram em arrojos opiniativos, mas, sem qualquer pujança de conteúdo no discurso. A inveja arreia em nós com tal força, que chega-se a sentir dores menstruais por cada petarda mal dirigida que enjeitamos. Combate-la torna-se um exercício fútil, somos seus escravos involuntários. Incapazes de suster o desgosto pelo bem alheio, parecemos cigarras indolentes nas suas mãos, ainda que suemos como verdadeiras formigas. É o raio de um peito flácido de intenções. Sim. Definitivamente, é uma daquelas tetas, onde ninguém haveria de querer mamar. Mas mama-se à mesma, é inevitável, somos só mamíferos humanos, e de tempos a tempos, mesmo de boca cheia, falha-nos a humildade como se fosse dinheiro.
Na arte por exemplo, não existe modéstia alguma, todos querem atingir o patamar do reconhecimento e da apreciação, e quem disser o contrário, é hipócrita, pronto. Fica desde já o dedo aqui levantado.
Ainda que o sucesso, esteja dependente de muitos factores, sendo o mais importante destes, a qualidade, manda-se tudo às urtigas antes mesmo de formular a mais relevante das questões: Tê-la-ei?  Ou será tudo isto uma valente perda de tempo? - Na escrita isto tornou-se mais válido do que sempre foi. As formigas continuam vivas e de boa saúde, mas por vezes parecem soterradas por um exército infindável de cigarras.
Por vezes escreve-se como quem diz: "Olha para mim!" - e poucos o fazem, pois quando se escreve com palavras que esgrimam vontades alheias, nunca se atinge o verdadeiro propósito da mensagem que se pretende passar, esfumam-se os conceitos da escrita, em misérias mal-articuladas que a ninguém interessa ouvir. E ninguém olha para ti, é uma lástima. Então, à inveja, junta-se a inevitável raiva. Mas isso já é assunto para outro texto bem mais furibundo.


"Ninguém é realmente digno de inveja, e tantos são dignos de lástima!"


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