"Enquanto fazia um
esforço descomunal para conter o movimento arfante do peito, levou aí a mão,
certificando-se que a carta do médico ainda se encontrava dentro do bolso
interior do casaco depois de toda aquela correria galopante através da ventania.
- O que foi? –
Inquiriu-lhe a mulher. – Não me digas que estás mesmo mal do coração por causa
de uma corridinha sem importância?
Humberto amaldiçoou
mais uma vez a sua condição de picuinhas. – Se
não tivesse que me certificar ela nem teria dado por nada. Maldito crica!
Paz olhava-o de
esguelha com uma impaciência crescente, porque começava a acreditar que havia
exagerado na sua explosão de liberdade. Então olhou-o de frente com um sobrolho
carregado e temível e ordenou-lhe numa voz sentenciosa:
- Respira à vontade
homem!
Vá lá que Humberto
se arrependeu da sua imprudência e retomou o ritmo normal da sua respiração.
Mais um momento e parecia que do seu peito iria irromper uma torrente imparável
de ar contido à força, rasgando-lhe a carne e os ossos com a pressão.
- Não estava
preparado para isto hoje. – Desculpou-se.
- É essa a beleza do
inesperado, nunca estamos preparados para ele.
Chegou mesmo a
sentar-se no chão de pedra molhada, porque era tão grande a emoção de estar ali
nesse lugar naquele diáfano fim de tarde de inverno que nem conseguiu
concentrar-se nos seus maneirismos habituais.
O véu das nuvens
tornara-se agora da cor do chumbo, e os últimos fios doirados do sol escorriam
pelo ralo do horizonte. Paz, começava também a dar mostras do inesperado. A
pele eriçava-se-lhe em pequenos picos que lhe percorriam o corpo de lés a lés.
Humberto levantou-se e colocou-lhe o seu próprio casaco sobre os ombros dela,
não tirando nunca os olhos do local exato daquele bolso interior.
Ela aninhou-se sob
aquele manto acolhedor, espantando o frio com um encolher dos ombros e levou a
sua mão até ao rosto dele afagando-o como agradecimento por este gesto.
- És engraçado
Humberto “e basta”.
- Porquê? Já te
disse que sou tudo menos...
- Vêm-se poucos como
tu nos dias que correm. – Apertou-se ainda mais dentro do calor do casaco dele.
- Posso pedir-te uma
coisa estranha? – Disse-lhe ele.
- Claro, o que
quiseres.
- Queria que me
prometesses, que um dia quando eu morrer, seja lá quando isso for, não
deixasses ninguém enterrar-me, fazes isso por mim?
- Que tolice te
foste agora lembrar! – Exclamou Paz.
- Por favor, é muito
importante. Farás isso por mim?"
in: "Corre!"
uma novela de
Casimiro Teixeira
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