Avançar para o conteúdo principal

Doze anos escravo!

 

A vida, continua vertiginosa, como a montanha de onde desabei, e que jamais escalarei. Jamais! Estou certo disso, agora.

Doze anos depois, continuo a querer ser escritor. - Mas que grande tolice! - E, dessa dúzia de vida, retiro a única lição possível: Apesar de todas as boas intenções das frases feitas, querer apenas não basta, nunca basta. É preciso sempre conhecer-se alguém que protagonize existência onde nós não conseguimos nem deitar um mero bafo de respiração à tona.

E mais até, não basta apenas conhecê-lo, esse providencial mecenas inoportuno, necessitámos de alguma sinergia quase fantástica, de parte a parte, uma espécie de "quid pro quo" imperial, suficientemente sólido para nos conceder uma oportunidade de alcançar esse patamar místico onde, hoje em dia, um escritor, bom ou mau, existe de facto.

Um bom editor, um excelente publicista, um magnífico gestor de carreira. Dois ou três autores já consagrados que nos dêem o seu aval, e escrevam qualquer treta sem grande sentido na badana de um livro que ninguém realmente parece interessado em ler. Esta gente toda, uma panóplia díspar de petardos, todos eles apontados ao desinteresse generalizado dos leitores em geral, e, muito em particular daqueles mais refinados (os que realmente lêem), esta parece ser a fórmula.

Grito para dentro, pouco escrevo. Bebo. Grito mais um bocado, escrevo cada vez menos. Grito e bebo. Cada vez bebo mais e mais. Inicialmente pensei que tornar-me alcoólico seria uma homenagem a um dos meus autores favoritos, Hemingway. Agora, só bebo, e já quase nem escrevo, apenas o que aqui está, porque aqui posso escrever o que me apetece, mesmo embriagado.

Ninguém lê!

Doze anos desta escravidão. Aguardo somente que o meu fígado expluda e que eu morra. Os mortos fazem-se melhores escritores que os vivos abnegados.

Comentários

Mensagens populares deste blogue

A queda de um anjo triste.

Desafogados brilhos desta existência, quis olhar em frente, e vi somente escuro. Escuro, escória, lixo, lama e penetrante breu. Quis seguir em frente e não mo permitiram. Quis marcar presença, caí, e fui banido. Quis viver, e fui marcado a fogo com o rótulo do nada. Malditas palavras que me acendem esta vivência, pudera eu ser livre, e não viver por trás deste muro. Ser vento, ou poeira, e correr solto pelo esplendor deste céu. Malditas palavras que de mim emergiram, ainda mal as proferia, e já as via, abafadas em seu ruído, como se fossem pássaros, abatidos em revoada. Como eu mesmo, abatido assim, em tenra idade. Mas sosseguem, pois sou coisa irritante que insiste em não morrer. Malogrado pela estupidez do desprezo, sou, ainda assim, Homem! Homem! Homem... Estou vivo, e não desabo. Desafogado percurso que ainda mal começa, não verás teu fim nesta desdita amordaçada. Quis dizer o que quis, e não me faltou a vontade. Mais fáci

António Ramos Rosa, in "O Grito Claro" (1958)

O Incidente de Plutão (Parte II)

Continuação... Xavier sonhara o corpo de uma loura por semanas, nos intervalos em que se convencia a si mesmo que a amava porque sim. Mas que desacato. Não tinha heroísmos em part-time para dar a ninguém e por isso se pusera a fazer teatro no fim do trabalho como forma de não se maçar a si mesmo. Era um salto à vara espantoso, se de tantos lados que procurou socorro, este lhe chegasse através desta mulher. Doroteia, vista pelos seus olhos era a mulher mais bonita da cidade, e ai de quem o  contradissesse. Não era que o dissesse a ninguém, de todos os modos só se queria deitar com ela e deixar-se adormecer ao seu lado como uma fera amansada. Era tudo matéria de sonhos. - E o que foi que tiveste de fazer pelo teu pai? - Arriscou a pergunta. Não foi pronta a sua resposta, apesar de se perceber na comissura dos seus lábios os indícios de um longo diálogo consigo mesma - precisamos de falar sem rodeios - ouviu depois o rapaz dizer. - Isto é, se queres que fique e te escute. Quer