Avançar para o conteúdo principal

Saudades de ver bons filmes (XXIV)


Poderá "Absolutely Anything" ser considerado como o último filme dos 'Monthy Python'?

Salvo a ausência do saudoso Graham Chapman, por motivos de já não se considerar entre os vivos à 26 anos, este filme de 2015, realizado pelo igualmente saudoso Terry Jones (1942-2020), reune, pelo menos em voz-off, os restantes cinco, dos seis membros deste fabuloso circo louco de comediantes.

A premissa do roteiro, analisada à lupa de tantas imitações copiadas pelo mero absurdo do sentido de comédia desta genial trupe, não lhes chega aos calcanhares, nem por sombras. Também, após tantos anos a serem replicados e emulados, multiplicados e imitados em incontáveis comédias "nonsense" não pelo seu real sentido original, aquele que diferenciou o supracitado grupo, mas porque realmente não faziam nem fazem grande sentido de existirem. torna-se muito difícil insistir na originalidade do contra-senso. Contudo, muitos dos seus elementos ali se encontram, mesmo assim. É um filme do Terry Jones, valha-me deus! Difícil de engolir contraposto aos seus outros filmes, mas não deixa de o ser seu, e talvez por isso, não tenha conseguido atingir as fasquias anteriores dos seus predecessores, todos os outros grandes filmes dos 'Monthy Python'! - Grande parte destes, dirigidos por este senhor, Terry!

É uma forma de se assimilar a questão do falhanço. Ou, quiçá fosse a circunstância de nenhum deles (os restantes 5 membros do grupo) realmente surgir corporeamente no filme, apenas as suas vozes envelhecidas, talvez tenha sido isto que alienou os fãs mais inveterados. - Que sei eu que sou um desses fãs! Vi o filmes sete vezes e adorei todas. - É certo que o Simon Pegg traduz um papel extremamente bem interpretado, na sua particular medida de comédia. Porém, o que faz os 'Monthy Python' serem 'Monthy Python' é muito mais um pathos que inebria e afecta todos aqueles já previamente infectados com o 'vírus' 'Monthy Python'. 

Simon Pegg, excelente cómico, não é nem foi membro deste 'ensenble', assim que, muito embora o 'casting' tenha sido bem feito, a promoção prometeu o que filme não entregou completamente: 'Monthy Python'. Há sempre uma história por detrás daqueles filmes que têm tudo para serem sucessos e falham. Neste caso, foi o factor não-'Monthy Pythom', ainda que repleto de 'Monthy Python's', que selou o destino deste filme em particular.

Aparte disso, convenhamos, o filme é magnífico. Simon Pegg é absolutamente perfeito. O roteiro do Terry Jones, Gavin Scott e Douglas Adams é delicioso, a interpretação do restantes actores é muito boa, mais ou menos, e a direcção ainda melhor.

Então, o que raio é que falhou neste filme para não merecer o mesmo interesse e adulação de um qualquer outro filme dos 'Monthy Python'?

Para começar a já mencionada ausência dos actores como personagens reais e não apenas como vozes de 'bonecos' CGI. Associado a isto, o facto de que, muitas das suas vozes, com excepção da do John Cleese, já nem se assemelharem às vozes reconhecíveis desses actores, o que em muito desconstrói o factor culto pelos actores em questão. Mas, também, e isto não é de todo um factor somenos, a questão deste filme acontecer em 2015, em uma época em que a entrega que fazemos aos mitos se desinspira grandemente pela razão da passagem do tempo, e, pela emergência de uma nova geração de atendentes ao cinema que provavelmente nunca ouviu (tristemente, para eles) falar dos 'Monthy Python'.

Um ano antes, em 2014, e, pela última vez (assim o afirmaram na altura), o espetáculo em palco: "Monthy Python Live (Mostly)", - que assisti avidamente em uma das salas do Norte-Shopping, - consumava o que se determinou ser a derradeira reunião que congregaria esta equipa após 30 anos.

Aparentemente o dinheiro falou mais alto e, um ano depois, todos concordaram em participar (reafirmo: como vozes apenas) em um filme do colega Terry Jones. Eu, que sou realmente fanático pelo grupo, nem pestanejei e vi o filme com adoração. Todavia, e como o mundo de hoje é constituído mais por 'haters' do que 'lovers', é provável que esse gesto também tenha contribuído para o filme ficar aquém do sucesso que poderia alcançar.

Em boa verdade, "Absolutely Anything" é um bom filme. Uma boa comédia. Não é um filme 'Monthy Python' no seu sentido mais restrito, nem tampouco uma comédia ao jeito absoluto dos 'Monthy Python'. Argumento que tenha sido um filme que alguém (talvez o próprio Simon Pegg) há-de ter oferecido ao Terry Jones, que, por esta altura, já não estaria certamente no topo do seu jogo. Ao Terry foi-lhe dado a opção poderosa da escolha, e este escolheu os seus velhos companheiros dos 'Monthy Python' para este filme. Vou mais além a supor que estes aceitaram a proposta, desde que não tivessem de aparecer no filme, de todo, e o resto é o que se vê. - Ou melhor, o que não se vê! - Os próprios actores.

Por vezes, o culto de uma pessoa, ou de um grupo de pessoas, embrenhadas na adoração do seu próprio ego, consegue deitá-los abaixo mais depressa que décadas de tolices desbragadas que pareciam destinadas a nunca os deixarem ser estrelas. Assim parece ter acontecido com os 'Monthy Python'. Génios que nunca para mim descerão na adulação que lhes tenho. Contudo, e apesar disso, jamais venderei a minha integridade por um culto que admito dominar-me.

É um paradoxo. Isto é o que este 'último filme do Monthy Python' para mim representa. Um paradoxo! Amo-o, mas sou incapaz de evitar criticá-lo por aquilo que é; uma venda ao desbarato, um saldo de grandeza desperdiçada por uns meros trocos.

Que pena!


Comentários

Mensagens populares deste blogue

A queda de um anjo triste.

Desafogados brilhos desta existência, quis olhar em frente, e vi somente escuro. Escuro, escória, lixo, lama e penetrante breu. Quis seguir em frente e não mo permitiram. Quis marcar presença, caí, e fui banido. Quis viver, e fui marcado a fogo com o rótulo do nada. Malditas palavras que me acendem esta vivência, pudera eu ser livre, e não viver por trás deste muro. Ser vento, ou poeira, e correr solto pelo esplendor deste céu. Malditas palavras que de mim emergiram, ainda mal as proferia, e já as via, abafadas em seu ruído, como se fossem pássaros, abatidos em revoada. Como eu mesmo, abatido assim, em tenra idade. Mas sosseguem, pois sou coisa irritante que insiste em não morrer. Malogrado pela estupidez do desprezo, sou, ainda assim, Homem! Homem! Homem... Estou vivo, e não desabo. Desafogado percurso que ainda mal começa, não verás teu fim nesta desdita amordaçada. Quis dizer o que quis, e não me faltou a vontade. Mais fáci

António Ramos Rosa, in "O Grito Claro" (1958)

O Incidente de Plutão (Parte II)

Continuação... Xavier sonhara o corpo de uma loura por semanas, nos intervalos em que se convencia a si mesmo que a amava porque sim. Mas que desacato. Não tinha heroísmos em part-time para dar a ninguém e por isso se pusera a fazer teatro no fim do trabalho como forma de não se maçar a si mesmo. Era um salto à vara espantoso, se de tantos lados que procurou socorro, este lhe chegasse através desta mulher. Doroteia, vista pelos seus olhos era a mulher mais bonita da cidade, e ai de quem o  contradissesse. Não era que o dissesse a ninguém, de todos os modos só se queria deitar com ela e deixar-se adormecer ao seu lado como uma fera amansada. Era tudo matéria de sonhos. - E o que foi que tiveste de fazer pelo teu pai? - Arriscou a pergunta. Não foi pronta a sua resposta, apesar de se perceber na comissura dos seus lábios os indícios de um longo diálogo consigo mesma - precisamos de falar sem rodeios - ouviu depois o rapaz dizer. - Isto é, se queres que fique e te escute. Quer