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O estigma da inclusão

 

Poderão os ventos da liberdade varrer os próprios muros que por vezes erguem?

Todo o progresso requer rupturas, avanços, alavancas que rebentem os tampões demasiado bolorentos, e fracos, e ainda assim continuamente estabelecidos como regra 'ad eternum'. É uma boa coisa isto de se rebentarem os moldes que sempre nos pareceram indestrutíveis: sejam estes, do racismo, do machismo, da xenofobia e das liberdades mais fundamentais, a religiosa, a sexual, a ideológica, a artística, etc etc.. É uma revolução abrangente do espírito humano votado a romper com um passado bafiento, ansioso por explorar todos os caminhos que sempre lhes ficaram bloqueados por esses 'poderes' de pedra-atlas, que jamais se deixaram erodir ou finar.

Entretanto, muita coisa mudou na última década, muitas vozes sempre mudas ganharam palcos relevantes, e foram necessários ajustes. As mudanças surgiram, em grande parte por concessões de poderosos interesses financeiros que não as compreendem de todo, mas que intuem perfeitamente a valiosa perspectiva de marketing cruel, que lhes está associada. Este é o novo método de bloqueio: abraça-los com facas. A isto, por falta de melhor termo, denominou-se eufemísticamente de : inclusão.

E está quase muito bem. Já era mais que tempo de as mulheres se sentirem em pé de igualdade, de a comunidade negra experimentar um pouco da vida que sempre lhes foi segregada. Dos indivíduos LGBTQ...receberem as mesmas oportunidades que os seus comparsas heterossexuais. Em suma, de que aqueles, que apesar de nunca terem sido minorias, só que nessa caixinha sempre foram arrumados, exumarem o corpo rançoso do 'sistema estabelecido', mostrarem-no ao mundo e provarem sem réstia de dúvidas, que este está efectivamente falecido, acabado, morto e bem morto, e singrarem os seus caminhos como lhes é e sempre foi merecido. - Só que...não!

Se há indústria que se assume como prossecutora deste debate, se existe lugar onde esta revolução melhor se manifestou, se porventura existe meio mais englobante de disseminação efectiva, será Hollywood! Os filmes e as séries, em todos os seus quadrantes e abordagens fazem mais por uma causa que mil textos escritos.

Contudo, e apesar de surgir como uma imagem liberalizante e saneada, fresca e progressista, Hollywood é também o poder estabelecido. O dinheiro é quem manda ali, ali como em outro lugar qualquer. E, apesar de Hollywood querer mostrar-se inclusivo, a demanda desta inclusão forçada acaba na contra-mão do que os revolucionários que a ela se atiraram esperariam.

Há quase como que um efeito 'boomerang' em toda esta vontade. Uma inversão clara pela insistência. Tantos actores negros, tantos asiáticos, tantos LGBTQ..., tanta palhaçada que se começa a pensar no óbvio: e então que sorte será daqueles que nunca foram parte desta minoria que jamais o foi?

Assumo este texto na directiva do que assisti na última cerimónia dos Óscares (2023), onde, um filme menor e deficiente em tantos aspectos, foi elevado a enorme, e acabou por ser o grande vencedor da noite, (7 óscares), meramente por ser uma película quase exclusivamente asiática. Já o haviam tentado em 2018 com o filme: "Crazy Rich Asians", uma chalupada sem grande interesse, excepto pelo facto de ter quase um elenco exclusivamente asiático. Um mercado gigantesco que Hollywood cobiça, e, assim assume agradar. O mesmo acontece com a comunidade afro-americana. O filme "Black Panther:Wakanda Forever" é do mais paupérrimo que a Disney/Marvel nos vem empurrando pelo cérebro abaixo, todavia, esteve nomeado em várias categorias e ganhou inclusive algumas.

Porquê esta mediocridade? 

Porque é rentável. 

A inclusão faz dinheiro, e tornou-se mais que claro que estas minorias, não o sendo, nem nunca o foram, apenas foram abafadas por demasiado tempo, justamente porque contrariavam aquela 'especial' sanidade da América hipócrita de sempre. Agora, que essa mesma América-Hollywood, percebeu que há muito dinheiro ali a fazer-se, redobrou a hipocrisia e estampou-a com a etiqueta da inclusividade. Desta feita, já não nos livraremos dela, e estaremos obrigados a vermos os conteúdos que 'eles' sentem ser a revolução, não que esta ainda tivesse fruído completamente.

Ainda há tanto caminho a trilhar, tanto.




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