Leituras em praia de névoa alvorada: cozido de Humberto: o porco que gostava da vitela que gostava dos enchidos que toda a gente provara antes.
O todo ali fugiu assustado. A graça morreu na pastelaria ao ler gratidão na poesia de um heterónimo. Se faltava luz, acastanhava-se. A estatura era média, tendendo para mais alta, mas curvada, sem ombros altos. O gesto era branco, o sorriso era como era, a voz era igual, lançado em um tom de quem não procura senão dizer o que está dizendo, nem alta, nem baixa, clara, livre de intenções, de hesitações, de timidezas. O olhar meio-verde, meio-castanho, não sabia deixar de fitar as cores da desgraça.
Ainda no outro dia, Humberto alçou a barriga do recobro da morte anunciada, e pôs-se a jeito de morrer melhor dentro dela. Altamira, que viera das cavernas subterrâneas da Turquia, acabou refugiada em Santa Clara por um mero erro burocrático. Santa Clara, terra mártir de luz excessiva. Santa Clara, área do grito final do artista. Estufa de frustrações, onde os sonhos assentam nas rochas desprotegidas da marginal e morrem afogados por displicência.
Tanto quis estar ao Sol que esteve, em demasia. Ele permitiu. Não se lhe podia negar. Era como lixo para o amor. A nada se podia negar. Altamira, assustou-se, reformou-se, fez café, fez chá, fez um muco esbranquiçado sair-lhe da vagina. Altamira tudo tentou para ele ficar.
Não ficou.
Havia tanto para estragar.
Humberto, antes de morrer por amor, morreu muitas vezes por tentativas falhadas de se entregar ao que ele 'chamava amor'. Poderia muito bem ser o avanço que se faz quando nos entregamos àquilo que o mundo nos ofecece, ou só a gratificação do veludo de uma singular almofada puída.
Na razia dos amanheceres, o bojo da doca ía ficando mais e mais sujo. Uma gruta de podridão que Humberto assistia pela janela e macerava-lhe o medo como uma bacia de rojões entre o vinho tinto.
No vinte e sete de Março, foi ao cais das lajes esperar um novo futuro. Os pais sempre lhe haviam dito que o que estava por vir seria diferente, que o que viria seria redentor. Humberto atirou-se, era pouco mais ou menos que um mergulhador de pérolas em um oceano de algas desgastadas pela podridão. Altamira lavava um trapo qualquer na restinga da rampa esverdeada e alçava os quadris sem ver o Sol a pôr-se no horizonte. Mexia e remexia aquele tecido esfarelado pelos anos de diáspora. Esfregava o corpo pela pedra milenar, sem receio de o estragar.
Mas, havia tanto para estragar.
Humberto, observava ofegante pela janela, dois passos dali. A casa dos pais mortos, o seu remanso de porção, a sua jactância em câmera lenta, o seu último renascer como homem, o seu derradeiro renascer, assim julgou. Altamira seria-o.
Não o foi. Já todos sabemos. Todavia, muito o agitou aquele balanço de ancas na rampa de lavadura. A bela turca não tinha dinheiro para máquinas, não tinha posses para viver ocidental. Lavava no rio como a mãe do Humberto o fizera décadas antes. Mexia o corpo igual, ensaboava da mesma forma.
Havia ali tanto para o estragar...
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