Avançar para o conteúdo principal

William Hurt

 

William Hurt (1950-2022)

Este é um daqueles actores que dificilmente não me arrastaria para as paixões inexplicáveis que sempre nutri por estranhos. Amei-o logo no primeiro filme que lhe vi: "The Big Chill" (1983 - Lawrence Kasdan) - Curiosamente, é também um dos filmes do 'top ten' dos filmes da minha vida. - Provavelmente, não há nada de curioso aqui. Quase tudo me aproxima pessoalmente da história desse filme, porém, há uma particular preferência pelo personagem que o William Hurt interpreta entre aquele grupo de amigos. Senti logo uma afinidade inexplicável e destaquei-o logo ali, na primeira impressão. Depois, os anos 80 prosseguiram e acompanhei-lhe o percurso de personagens inadaptados que se tentam encaixar nas circunstâncias ocorrentes. O meu amor crescia a olhos vistos. Parecia que todos os papeis que ele interpretava me chamavam cá dentro. Era como se ele me interpretasse sempre a mim. E, a forma como ele os trabalhava ressonava demasiado para os ignorar como meras coincidências. Cheguei à conclusão distópica que o Wiliiam Hurt era eu, em Hollywood, e nunca mais o deslarguei. Mesmo em papeis secundários ele subia-me por todo no íntimo. O raio do homem tinha um carisma insofismável que me atingia sempre. 
Adorei-o em tantas filmes que nem se me justifica estar aqui a nomeá-los. Todavia, refiro só mais um: "Until the End of the World" (1991 - Wim Wenders). A maneira displicente como o personagem Sam Farber, ou Trevor McPhee permite-se ser salvo pela Claire (personagem interpretada pela bela e já desaparecida Solveig Dommartin), comoveu-me de tal forma que nunca mais me consegui desligar desse filme, que muitos consideram menor, na craveira do Wim Wenders. Eu, adorei-o. E foi tudo graças ao William Hurt e à forma como encarnou aquele personagem perdido que busca a redenção.
Foi um actor pacato, que nunca realmente se extendeu além do seu registo. Não necessitaria de o fazer, quiçá, pois o minimalismo sempre lhe caiu bem. Com duas ou três expressões faciais criou uma carreira de quase 40 anos de filmes bons, e alguns até extravassados para o excepcional. - "Kiss of the Spider Woman" (1985 - Hector Babenco), "Body Heat" (1981 - Lawrence Kasdan), "Smoke" (1995 - Wayne Wang), "Gorky Park" (1985 - Michael Apted)...Poderia continuar...William Hurt marcou uma ou duas décadas de bom cinema, como um actor que soube manter-se fiel àquilo que o criou. A marca peremptória do desempenho desprendido, sem exageros, da imersão imperceptível no personagem, sem pontos extremados. Um homem vivo a trazer à vida caracterizações identificáveis de 'personas' que nos admitem como seres humanos. Amo isto em um actor. Daí amar tanto o Wiliiam Hurt e sentir tanto desalento pela sua morte, ontem, vitima de cancro pancreático.
Para mim, existirá sempre. Porque eu sou ele, e ele sou eu. Como não acreditar nas circunstâncias da eternidade vistas desta perspectiva? - Como diria o Freddie Mercury, quem é que não quereria viver para sempre?

Comentários

Mensagens populares deste blogue

A queda de um anjo triste.

Desafogados brilhos desta existência, quis olhar em frente, e vi somente escuro. Escuro, escória, lixo, lama e penetrante breu. Quis seguir em frente e não mo permitiram. Quis marcar presença, caí, e fui banido. Quis viver, e fui marcado a fogo com o rótulo do nada. Malditas palavras que me acendem esta vivência, pudera eu ser livre, e não viver por trás deste muro. Ser vento, ou poeira, e correr solto pelo esplendor deste céu. Malditas palavras que de mim emergiram, ainda mal as proferia, e já as via, abafadas em seu ruído, como se fossem pássaros, abatidos em revoada. Como eu mesmo, abatido assim, em tenra idade. Mas sosseguem, pois sou coisa irritante que insiste em não morrer. Malogrado pela estupidez do desprezo, sou, ainda assim, Homem! Homem! Homem... Estou vivo, e não desabo. Desafogado percurso que ainda mal começa, não verás teu fim nesta desdita amordaçada. Quis dizer o que quis, e não me faltou a vontade. Mais fáci...

Acerca de Anderson's...

Hollywood é um gigantesco cadinho demente de fumos e fogos fátuos. Ali se fundem todos os sonhos e pesadelos possíveis de se imaginar.  Senão, atentem, como mero exercício, neste trio de realizadores, que, por falta de melhor expressão que defina o interesse ou a natureza relevante deste post, decidi chamar-lhes apenas de os " Anderson's ". Cada um mais díspar que o outro, e contudo, todos " Anderson's ", e abundantemente prolíficos e criativos dentro dos seus géneros. Acho fascinante, daí querer escrever sobre eles e, no mais comum torpe da embriaguez, tentar encontrar alguma similitude entre eles, além do apelido; " Anderson ". Começarei por ordem prima de grandeza, na minha opinião, e é esta que para aqui interessa, não fosse este um blogue intrinsecamente pessoal onde explano tudo e mais qualquer coisa que me apeteça. Sendo assim, a ordem será do melhor para o pior destes " Anderson's ".  O melhor : Wes Anderson .  O do meio : Pau...

O discurso do Corvo.

Eis-me aqui, ainda integralmente vivo e teu, voo ao acaso, sem saber por quem voar, por sobre rostos de carne, palha e infinito. Trago as mãos feitas num espesso breu, toldadas pela sede de te possuir e de te dar, o ténue silêncio, que é tudo aquilo qu'eu permito. As palavras, quando são poucas, sabem melhor, dizem tudo melhor, se forem poupadas. Abre os braços então, e recebe-as em teu seio, a secura desta terra já consome o sangue do meu terror. Já falei, e agora vou voar num céu de pequenos nadas, disperso no bando obscuro, mesmo lá no meio. De modo que, apesar da lucidez dos meus instantes, continuo sempre algures, no longo espaço que nos envolve. Nada temas destas mãos de cinza que já não tem dedos por onde arder, Eis-me para sempre, nos interstícios perdidos e distantes, desta paixão que é dada, e que não se devolve, e que é minha e tua, porque assim tinha de ser! Casimiro Teixeira 2012