Padre Mário de Oliveira |
O padre Mário de Oliveira, o padre da Lixa como ficou conhecido, morreu ontem, e não venho cá com intenções de vos mover, seja para que lado for. Tampouco intento prestar-lhe qualquer homenagem póstuma. - Jamais necessitaria das minhas palavras frágeis para se elevar. - Foi simplesmente um homem do clero que se atreveu a questioná-lo - só por isso, já o elogiaria. Todavia, não é por isso que sobre ele escrevo. - É um texto que me circunda, não a ele, em particular. Sou iminentemente egocêntrico, muitos já mo apontaram, e eu, nunca rechaçarei essa identificação. Sou-o!
Antes de mais, devo clarificar-vos acerca da situação deste senhor que, sendo clérico ordenado, tornou-se apócrifo por opção e pôs-se do lado da verdade, escrevendo de coração impoluto, contra a pensadura tacanha da instituição grotesca onde ele próprio antes se havia adequado pelo mistério que aí o conduziu, somente pela estranha e insondável fé de usar a própria cabeça.
O pensamento livre é uma coisa tremenda que quase tudo abala!
Já eu, fraco e sem explosões de futuros grandiosos, o único posto literário onde realmente me senti escritor, foi aquando da publicação da minha novela "Corre!", na editora de garagem Versbrava/Seda Publicações - E confirmo-vos a parte da garagem, pois era aí que os livros impressos se encontravam. Cheguei a ver as caixas. Era daí que se retiravam todos os exemplares devidos a uma apresentação próxima. Está tudo bem, jamais esperei outra coisa para o meu trabalho. Nunca lambi ninguém que mo elevasse aos níveis horrendos do que a publicação mais generalizada se tornou. Ansiei tantas vezes ir às "Correntes D´Escritas", hoje, desprezo-as pelo zelo vendilhão ao qual se entrega, ano após ano. Se fizéssemos uma analogia, as "Correntes" seriam, e são, a praça onde só se vende o peixe que é trazido pelos capitães que possuem os barcos. Os outros, deitam tudo fora. Que remédio têm? Ali, jamais sobrevive o dono do pequeno bote imaculado que carrega um tesouro escondido debaixo do travejamento. Só vicejam os arrastões que escalam as pescadas entre viagens.
A menção ao Padre Mário é notória, por si só. E, por mim também. Quis a graça das desvantagens que ambos partilhássemos a mesma 'garagem' que nos editou. Obviamente que me apercebi da existência do Padre da Lixa porque era a estrela daquela 'garagem' que nos tentava arrimar. E, convenhamos, senti-me um pouco melhor, porque naquele lugar havia um autor que, de facto, parecia sustentar toda a barca furada por antecipação.
Sou ateu assumido, mas, desta feita, apertei a mão ao priorado, enganando-me com a ideia de que se a ele me juntasse talvez também os meus livros voassem daquela garagem empoeirada para as mãos das pessoas. Equivoquei-me. Disse-me o editor de então (que hoje me despreza. quase toda a gente me despreza. tenho de averiguar isto), ter o padre mostrado amiúde interesse no meu livro, no meu "Corre!". Leu-o e até fez urdidura de algumas boas palavras sobre o mesmo. Fiquei embevecido? Fiquei pois. Naquela altura, qualquer um que vendesse e me mostrasse réstia de apreço pelo meu trabalho, arrebatar-me-ia. Que tolo eu era!
O Padre morreu, quase tanto como a minha esperança de chegar a ser escritor. Porém, naquela breve interação, sou a afirmar sobre a sua bonomia. Em vinte minutos mal se arranha a interpretação de seja quem for. É possível que estivesse mesmerado pela manta fugaz da fama que só no foge dos pés, só nos ilude, nada vale. O trabalho é tudo. A dedicação, a entrega à paixão molda o que somos para o futuro. Se acabarmos em nada, não é por nossa culpa. Senão houver revelação é porque o foco das luzes principais estão sempre apontadas para outro lado. Não faz mal. Disseram-me que o Padre Oliveira gostou das minhas palavras e isto bastou-me para escrever este texto.
Se me disserem o contrário, irei negar-vos. Quem pode ser sincero sobre os seus sonhos mais preciosos?
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