(...)
A “Bisa” lambia-me os selos das encomendas dos livros, fazia-me a cama e limpava
a merda do gato Ajax da sua caixinha cor de rosa. Eu escrevia, escrevia,
escrevia pelos dias fora, e de resto era normal, afinal, vivia fora do mundo
real. Pensava muito em sexo, muito mesmo. Sexo! Enfim, na pornografia mais
abjecta maioritariamente, ou em erotismo avulso em dias melhores, e na mistura
confusa que ambos me faziam. Pensava nas mulheres que se deitaram comigo nas
melhores noites, e naquelas com as quais gostaria de me ter deitado se estivesse
acordado. O balanço era desequilibrado. Sobretudo nos nomes. E começava aí a
confusão. Lembrava-me de quando uma amiga (já se me olvida o seu nome) me
aconselhara um livro erótico, ela disse erótico, não pornográfico. Meu Deus!
Pornográfico nunca, que os inválidos não tem direito à pornografia natural do
mundo: Era o “Duas Vidas sem Importância”, do Cristóvão Altuna, (disto
lembro-me). Então, pedi a um primo meu, o Albino, que mo comprasse em segredo,
da próxima vez que fosse à rua do Passaporte, e ele comprou-mo sem interjeições.
Trouxe-mo num sábado de tarde, em Agosto. Vinha de calções de banho e cheio de
pressa. Quase que me acertou com o raça do livro nas fuças, tal era a sua
pressa. – Quanto te devo por isto? – Perguntei-lhe antes do vão da porta. –
Depois fazemos contas Anísio, tenho a Bela lá em baixo à espera. - Li-o
ofegante, nos intervalos das saídas da minha querida “Bisa”, e quando a minha
amiga (tomara que me lembrasse do seu nome) voltou cá a casa para se fingir
interessada em mim, disse-lhe que tinha gostado muito, que era muito erótico,
muito erótico mesmo. E talvez lhe tenha piscado o olho até, feito um alarve. Ela
sorriu e foi à vida dela, sem mais demora, mas eu tinha quase a certeza que o
livro era uma porcaria, realmente porco, ou pouco, raiando a pornochachada
literária de agora. Pelo meio da leitura, quis escrever-lhe o corpo pré-púbere
num conto curto, mas ela tinha os seus compromissos de Verão, que jamais me
envolveriam, e eu, receei o plágio ao Altuna só pela pressa de a montar. Quando
acabei de o ler, naquela tarde em que ela esvoaçou por aqui, informei-a que já o
havia terminado, que lho oferecia, e disse-lhe que era mesmo erótico à brava,
muito, muito erótico. O que equivalia dizer-lhe a minha real intenção. Ela
agradeceu a oferta com um encolher nu dos ombros, e eu agradeci-lhe o volume que
me fez nascer. (Porque raio não me lembro do seu nome?)
(...)
Excerto do conto: "O Escritor Contrariado"
2015
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