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As Crónicas do senhor Barbosa XIX

Aconteceu. Depois da família se evadir da junção. Depois de atravessar o suão daquele introspecto deserto que só põe o corpo rarefeito. A cabeça insuspeita. Após o pequeno apocalipse que só desune, reergueu-se e pôs-se tão hirto quanto poderia para foder o mundo inteiro face à doença que o come sem descanso.

E, o que devora o Senhor Barbosa, afinal? - Quiçá importe esmiuçar todos estes devaneios que vos andaram a gozar dezoito vezes antes, mais aqueles que envolveram a Patusca singularmente. - Há que entender este homem, penso eu. Esta história real. Especialmente no seu cerne, realmente no seu interesse.

Quem é este Senhor Barbosa que faz hoje cinquenta anos e não consegue ser homem suficiente para se dizer adulto? Que criatura emerge deste corpo, e, fazendo-o, que pessoa se torna afinal? Dado que este Senhor Barbosa andou capítulos e capítulos a morrer interiormente, sem morrer de facto.

Quase parece possível haver gente no mundo que se desinteressa por quase tudo e por fim, pot fim antecipe um desfecho mais que previsível - O Senhor Barbosa esteve sempre destinado a morrer feio, a extinguir-se em uma nulidade. - Fodeu! sim, pois claro que fodeu. A Madalena Patusca nunca outra coisa quis. Estes dois corpos sempre tiveram a perdição na flor da pele. Jamais se ponderou outro percurso que não conduzisse a isto: Ulisses Barbosa e Madalena Patusca iriam foder, fosse como fosse. Assim aconteceu ao som de "War on Drugs". Ali estava todo o caminho, todo o percurso. Ali sempre aconteceu ser-se um personagem. E foi-o. Rais'me parta! Se há personagem espelho que chegou, esse foi o raio do filho-da-puta do Barbosa. Filho-da-puta do Ulisses Barbosa! Que espécie de coisa mais ou menos humana assiste ao seu próprio fim narrado em crónicas e rubricas perfeitamente aleatórias? Diabo! Que rebate de sino levanta algo ou alguém cuja mera função de existir jamais excede a de ser feliz?

Parece-me que esta crónica, em particular, talvez porque se aproxime do seu fim, se debruça mais em questões do que em respostas. Mas, há-que levar em conta as excentricidades naturais do Senhor Barbosa. As sua gritantes peculariedades. Cinquenta anos depois de ter nascido, ele, descobriu por fim, a sua rectidão. Aqui, ou talvez na janela onde sempre se colocou como neutro participante no jogo da vida, o Ulisses morreu para sempre e ali se quedou.

É provável que daqui advenha uma resolução final de todo este imbróglio escrito ou descrito: escolham o melhor. Bem capaz de surgir um derradeiro último capítulo, o vigésimo. O vigésimo acontecerá apenas por razões compulsivas de harmonia. Alter-ego do que perfaz este Senhor Barbosa. Um cinquentão fresco que perdeu a mulher da sua vida por jamais acreditar que a humanidade se acredita a si mesma. Um dia o senhor Barbosa talvez consiga atingir a supremacia da solidão. Para já, insiste e insiste acreditar que o amor está nas pessoas que mais próximas que nos rodeiam. Está lá apenas. Aquelas mesmas pessoas que nunca desistem em nos celebrar, apesar de tudo, rodeiam-nos mas não nos entendem contudo. O amor é a distância encurtada entre o que se percebe de um para outro e o que insiste em ficar sempre desconhecido.

Inevitavelmente gosto dessas pessoas. Gosto de ser josé Barbosa teixeira. Gosto de existir ainda que seja meramente um personagem do que realmente sou ou poderei vir a ser. Aqui só há teatro! Pois vive-se.

Amanhã, talvez, todos os dias sejam longe de casa e da maldita janela que me aprisiona. Em todos os dias que seguem o Senhor Barbosa abrirá o peito e purgará um coração traste que só se assemelha a mau, mas é poderoso e humano na mesma. É o seu coração que o empurrará porta fora. É este que conhecerá a rua, a praça, a estação do metro, a ladeira mal definida caminho acima, o paço da capela e o mundo estranho que parece sempre música mas só nos canta para dentro, sem reconhecer a estridência de todos os sons que somos. Apesar de tudo, há que entender que o senhor Barbosa nunca será uma ópera, mas, por deus, persiste na harmonia canónica do que sempre foi. Apesar de tudo, convém perceber que estas crónicas só buscam a verdade. Fiquem com as hipocrisias, pois estas não interessam ao protagonista destes relatos. 

Até breve!


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