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Saudades de ver boas Séries V

 

É provável que alguém já o tenha feito. Tanto se diz à solta pela internet (vejam o caso deste blogue!) - Porque não?

Sei que eu próprio já o fiz e sinto-me satisfeito por isso. Grato por ver além do comum, independentemente de outros já o terem feito. - Se pareço arrogante ao dizê-lo? Pareço, claro! Mas que me importa. - Haveriam mais era de colocar o Ricky Gervais em uma classe à parte. Um segmento da comédia negra onde o sarcasmo vulgar sai de si mesmo e voa mais alto, pelas nuvens esparsas da panaceia televisiva. 

Antes de mais é preciso estabelecer que este senhor é um escritor de excelência. Deixem de lado  "The Office" - o original. Genial que foi, esqueçam-no por agora - e pensem em alguém que duramente subiu as escadas do mundo cruel do entertenimento a tentar inexoravelmente marcar o seu cunho pessoal sem criar dívidas com o sistema estabelecido. Pensem nisto e tentem perceber as dificuldades que alguém assim não teve de ter para enfrentar obstáculos tão hercúleos.

O Ricky percebeu desde logo que é na América onde as coisas acontecem. Não lhe agradou essa premissa, mas entendeu-a à partida e foi aí que investiu todo o seu talento iconoclasta. Obviamente que trabalhou como pôde no Reino Unido, não esquecer as maravilhas que foram as séries "Extras" (2005) e "Derek" (2012) - co-produções anglo-americanas, mas com um forte cunho inglês. contudo, assim que se sentiu forte o suficiente, jogou as suas melhores cartas na conquista da América.

Conseguiu-o. "The Office" teve a sua versão americana que ele desenvolveu a partir da sua versão original em parceria com o Stephen Merchant, e foi um sucesso retumbante, abrindo-lhe as portas necessárias para uma invasão Gervais da América. - Escreveu, realizou e protagonizou um filme genial de 2009 "The Invention of Lying- ao qual poucos deram importância, mas que é uma das comédias românticas mais perfeitas de sempre. Tributo ao Ricky que conduziu todo o projecto e apesar da derrota não esqueceu que ele era 'o' Ricky Gervais, e que não iria se demover perante nada. Participou em especiais para TV com outros cómicos famosos, em documentários, mas sobretudo, foram as suas apresentações dos prémios Globos de Ouro, de 2010 (apenas como escritor) até 2020 como jocoso apresentador, que lhe cimentaram a presença de gigante na América, para sempre.

Daí até "After Life", a sua última maravilhosa criação, que estreou em 2019 na Netflix e culminou o seu percurso na terceira temporada em Janeiro de 2022, foi ainda assim um percurso atribulado e muito duro para um artista inflexível como o Ricky. Mas há que tentar imortalizar alguém que soube evoluir apesar das contrariedades e sem assumir compromissos comprometedores com a sua visão da comédia. Há que valorizar alguém assim acima de muitos, de tantos que também se esforçam, que também tentam e que se vendem à menor oferta. São meros laxantes sem forte efeito no mundo da comédia e do entertenimento. Todavia estes, jamais terão a visão das meras solas deste homem extraordinário que nos trouxe lágrimas e riso em uma série impossível de deixar um coração normal impassível. Quanto muito os corações daqueles, que como eu, parecem ser demasiado sensíveis para resistirem a tanto talento. 

"After Life" é a perfeita combinação de comédia e drama, alguma vez intentada. Absolutamente irresistível. Tremendamente comovedora. Um absurdo no exemplo da sua estranha perfeição. Dificilmente replicável e até explicável. O Ricky ganhou a taça!





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