Na minha próxima vida quero vivê-la de trás para a frente. Começar morto para despachar logo esse assunto. Depois acordar
num lar de idosos e sentir-me melhor a cada dia que passa, mais lúcido e vívido. Ser expulso porque estou demasiado viçoso e saudável, recusar a pensão e começar a trabalhar. Trabalhar 40 anos até ser novo o suficiente para não imaginar a reforma. Divertir-me, embebedar-me e ser de uma forma geral promíscuo, se me apetecer. Estar pronto para o liceu. Não é fácil, mas estou na idade de enfrentar esse pesadelo. Em seguida o ciclo, a primária, o infantário. Ser criança e brincar apenas. Sem responsabilidades logo acabo em um colo, serei um bébé até ao retorno inevitável do nascimento. Por fim, passarei 9 meses a flutuar num spa de luxo, com aquecimento central, serviço de quartos à descrição e um quarto maior de dia para dia até sentir um orgasmo e acreditar na felicidade por breves instantes.
Desafogados brilhos desta existência, quis olhar em frente, e vi somente escuro. Escuro, escória, lixo, lama e penetrante breu. Quis seguir em frente e não mo permitiram. Quis marcar presença, caí, e fui banido. Quis viver, e fui marcado a fogo com o rótulo do nada. Malditas palavras que me acendem esta vivência, pudera eu ser livre, e não viver por trás deste muro. Ser vento, ou poeira, e correr solto pelo esplendor deste céu. Malditas palavras que de mim emergiram, ainda mal as proferia, e já as via, abafadas em seu ruído, como se fossem pássaros, abatidos em revoada. Como eu mesmo, abatido assim, em tenra idade. Mas sosseguem, pois sou coisa irritante que insiste em não morrer. Malogrado pela estupidez do desprezo, sou, ainda assim, Homem! Homem! Homem... Estou vivo, e não desabo. Desafogado percurso que ainda mal começa, não verás teu fim nesta desdita amordaçada. Quis dizer o que quis, e não me faltou a vontade. Mais fáci...
Comentários
Enviar um comentário
Este é o meu mundo, sinta-se desinibido para o comentar.