Entrei naquele café fugido do frio lá de fora.
Foi ocasional, condicional quiçá, não fui para ali atirado, mas entrei ao resguardo, sobretudo.
Pareceu-me tão acolhedor; duas ou três pessoas, cada uma sem telemóveis nas mãos, sem Tv, música ambiente mansa e fluída, sorrisos e aromas que nos sentam gratos.
O dono acercou-se e transportou-me para casa, sem imposições de falas comerciais. Pedi um chá e ele acenou com a cabeça. Quem é que ainda faz isto?
Ao meu lado uma rapariga da minha idade olhava o horizonte e começava a mexer o seu café com leite com a colherzinha alongada. O líquido quase transbordava da chávena empurrado pelo movimento do utensílio de alumínio. Ouvia-se o barulho do metal contra o vidro. O café com leite girava, girava com uma cova no meio. Um redemoinho. Eu encontrava-me sentado mesmo ali. O café tinha quatro pessoas, cinco com o dono. A rapariga continuava a mexer, a mexer, imóvel, e sorria ao olhar-me. Senti uma coisa subir por mim acima.
Fitei-a de tal maneira que se viu na obrigação de se explicar:
- O açúcar ainda não está derretido.
Chegou o meu chá.
Para mo provar, bateu com a colher várias vezes no fundo do copo. Recomeçou a mexer metodicamente, com uma energia redobrada. Voltas e mais voltas, sem parar, eternamente. Voltas e mais voltas e mais voltas. Não conseguia beber o meu chá, que arrefecia paulatinamente. Estava mesmerado. Ela continuava a olhar para mim, sorrindo. Então levantei-me e beijei-a na boca. Aquela mesma boca que recusava o café. Só o queria mexer, só queria a liberdade de o ver circular pel0 copo alto de galão. Aquele gesto de acto contínuo pareceu-me a incitação que me conduziu ao beijo. Não era!
A rapariga só queria a sua própria paz.
Levei um tiro e paguei o chá e arredei com o rabo entre as pernas.
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