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As Crónicas do senhor Barbosa XVIII


Investir selvagem pelas ancas, naturalizar-se besta por todo, ou meramente borrifar sémen ao desbarato, como se apagasse fogos incontroláveis por lugares selvosos, estava muito longe de ser a postura do Senhor Barbosa na vida. Foi um despertar aqui há uns anos. Já muito que a sua virilidade natural fizera por décadas e décadas, agora, caía em sossego profundo, até ao dia em que a quietação se tornou total. Medidas as circunstâncias, concluiu que a dada altura, e sem que se tivesse apercebido quando, não abdicou voluntariamente do sexo. Antes este o fez por si. E, em boa hora. Conquanto o celibato não houvesse sido uma opção tomada, era-o na mesma. Rasurava-lhe uma estranha plenitude que dedicara à escrita. Cabia-lhe agora uma paz circunscrita às virilhas e localidades arrabaldes que já não o admoestavam com aquela ânsia contínua que igualmente o incomodava, como tantas outras. Todavia, e apesar da concórdia, permanecia-lhe uma injusta incerteza em relação a Madalena. - O próprio Bonaparte, ainda desconhecido, teve de ir a uma prostituta para perder a virgindade. Já Napoleão, imperador do Ocidente acumulava amantes como cromos da seleção. - Estes apetites pelo poder pareciam seguir a par com todos os homens que aqui e ali, abraçaram pela História a existência pária da mulher, como indivíduo, em vez da mulher, como centro, como dínamo, que é o seu justo lugar. Residia aqui uma complexa confusão mental no Senhor Barbosa. Tal, que insistia em afastá-lo do trono junto à janela encaminhando-o para outras divisões da casa. - Será este caminho curto até ao seu quarto, uma dedicação Josefina ou o derradeiro Waterloo? - Metia-se a meio da introspecção o sangue erguido. Aquele sangue que se injecta nos lugares incontrolados por outras forças que não as da natureza. Ulisses Barbosa era agora um peão da carne. Quis permanecer hirto à janela mas uma força incontrolável compeliu-o até ao quarto da Patusca. Viu-se ao longe, como uma explosão distante. Indomado, que coisa! Nunca, jamais, nunca, se entregaria a esse formigar tão básico. Nunca? Jamais? -

Como na noite em que a visitou, pelo Outubro incerto de de ser Outono. De novo os seus passos se detiveram no patamar, descalçou-se rente à parede com a agilidade duma sombra, preparou-se para subir as escadas, e ninguém ali estava que o pudesse dissuadir ou deter, pela simples razão de que, quem ali estava, só desejava que atingisse rapidamente o último degrau, abrisse a porta sem bater e entrasse pelo limiar apertado, sem dizer uma palavra. E foi assim que aconteceu. Ainda o tempo de reconstruir esses gestos não tinha decorrido, e já ele se encontrava a meio do soalho segurando os sapatos com uma das mãos. Chovia nessa noite distante de Outono sobre a planície de pedra e relva, e o ruído da água no tempo acumulado protegeu-os dos outros e do mundo como uma cortina cerrada que nenhuma força humana poderia rasgar. De outro modo, o Senhor Barbosa não teria subido nem teria entrado no interior do quarto da Madalena Patusca.

A noite aconteceu como uma enxurrada. Houve tempo para dizer e alturas mais quietas onde só existiram os dois. O Senhor Barbosa viu-a despir as meias e isso alegrou-o tanto que nem precisou de Viagra. Na manhã a seguir já não chovia, mas a cama, terminara a noite encharcada, mesmo assim.

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