Cada vez me parece mais estarmos na recta final da total degradação da salutar vivência social coletiva. Pois toda a evolução social, até aqui, só nos forneceu as ferramentas que vieram agravar a tendência crescente para o individualismo idiossincrásico galopante, consumado na distância virtual, naquele individualismo que discorre de um discurso alienante do "outro". - E quem é o outro? É exactamente igual, só que também resguardado algures, a proferir as únicas verdades que o primeiro anseia ouvir e assim sucessivamente até se formar uma consistente multidão de indivíduos solitários e descontentes que nunca chegam bem a ser um grupo ou uma tendência, só um conjunto de ideias de sangue e carne reajustadas até à exaustão, e que nem sequer chegam a ser novidade. São apenas conceitos que parecem soar bem e assim, acabam reaquecidos em discussões obscuras no seio da internet profunda, reacendendo velhos axiomas letais, que nunca morreram realmente na nossa História, somente adormeceram por curtos períodos de tempo.
Décadas inteiras de perfeita alienação do indivíduo esclarecido, do indivíduo clarividente, que entende a necessidade iluminista da entrega ao bem comum, vêm engrossar mais uma vez as falanges populistas de acéfalos, deteriorando o sentimento da responsabilidade social coletiva.
É certo que a História é cíclica, contudo, se jamais aprendermos com as suas lições mais incisivas, estaremos definitivamente condenados a repetir os nossos piores erros, como Tântalos em perpétuo suplício. - Só que desta vez, nenhum deus mitológico intervêm neste martírio elaborado. A culpa reside em nós próprios e em mais ninguém.
Desde sempre, achei imensa piada ao pensamento de uma sociedade liberal. - Direitos sociais, humanos, secularidade, igualdade de género, democracia, livres mercados e direitos individuais. Tudo metido no mesmo saco, sempre me soou mais utópico do que realista. Talvez por ser cínico, mas para mim ser cínico é ser realista. Não me consigo libertar deste adjectivo. Tem de ser, pois o idealismo é sempre perigoso. O idealismo começa por ser uma flor destinada a espalhar-se pelos prados do desânimo e reacendê-los em esperança, sucessivamente. Só que acaba por ser um cogumelo, que se circunscreve a pequenos retalhos de decadência perene. Em botânica isto pode parecer irrealista, nas ciências sociais, enquadra-se com a perfeita metáfora. E a circunstância da instauração destes conceitos está sempre subjacente a indivíduos, logo: merda!
O liberalismo, assim como o capitalismo e o antípoda comunista esbarraram todos no mesmo defeito estrutural; o individualismo egoísta de quem os tenta instituir. Chegamos àquele ponto que me recorda da escola a imagem feudal de quando um Senhor rico se abria pleno aos seus confederados, como se não houvesse amanhã. Estes dignos fidalgos fieis comiam à sua mesa como nababos, e regalavam-se de tantos privilégios que só podiam meter inveja ao grosso da população que morria de trabalhos que nunca os elevavam a nada que chegasse ao nível do cotão entrededos destes barões. Porém, quando o castelo apresentava rachas, quando a terra fenecia, quando os tempos traziam a desgraça às suas portas, lá se iam as mordomias num instante. E, por todo o lado brotavam conspirações e criticas como míscaros espontâneos. Mas, não havia mal que daí viesse. O Senhor rico atendia à resolução destes problemas sempre da mesma maneira; reprimindo-os. No fim, voltavam quase os mesmos acéfalos seguidores às mesmas regalias de antes e assim por diante, pois, nunca realmente se faziam mudanças estruturalistas na sociedade.
Sim, apesar de parecer que vigora por quase todo o lado a democracia representativa, o internacionalismo, a liberdade de expressão e de imprensa. O fim dos monopólios e dos mercantilistas, a construção das nações isentas de autoritarismos e "direitos divinos" de alguns sujeitos, o estado de direito como contrato social, apesar de tudo isto parecer real no papel das constituições e, ademais, nas bocas que soltam vozes ou gritos agudos daqueles que nos representam, basta um pequeno desvio para retornarem os tempos de incerteza, de boçalidade, de verdades inalienáveis para os ouvidos mais suplicantes.
Os Senhores continuam presentes, assim como os seus anafados acólitos. O resto, os analfabetos da realidade, que assim o são, porque nada mais conheceram, só se podem revoltar no interior. Justamente o fazem, em proporção ao que as ferramentas dos seus tempos assim lhes permitem, apoiam-se no que podem, no que lhes dá algum sentido de força. Deste modo retorna o corporativismo, e o fascismo, e o rexismo, o comunismo puro, o nacionalismo autoritário e o nacional socialismo e todas as estruturas sociais anteriores que só subjugaram, mas, que ao mesmo tempo justificaram as crenças e necessidades de milhões.
Estamos assim em situação similar; de regresso ao bruto básico. Andamos tantos anos a sair do colectivo para o individual, agora, há que fazer o retorno. A realidade assim nos obriga.
O meu aplauso. Isto é um novo ensaio sobre a lucidez e a vontade do mundo poder continuar a ser mundo e humano.
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