Bruno Ganz assume uma longa e frutuosa lista de créditos cinematográficos da mais alta estirpe. Um actor suíço muito minimalista nas suas interpretações, extremamente contido, que trabalhou com os melhores e nos habituou ao melhor daquilo que um actor nos pode oferecer: a humanidade. Das suas últimas prestações recordo o perturbante filme de Lars von Trier "The House that Jack Built" (2018) onde interpreta Virgílio, entregando-nos a imagem da consciência omnipresente sobre a figura do mal puro, que derradeiramente conduz ao Inferno, justapondo-se ao próprio episódio deste, na "Divina Comédia" de Dante, onde ambos adentram e deambulam pelos círculos do Inferno. É um pequeno papel, que quase fecha o filme, mas que é fundamental para o mesmo. Aliás, Ganz sempre foi pródigo neste aspecto "No small parts" dir-se-ia, ou sobretudo, o seu ofício exposto na tela de uma forma tão cativante e exímia, que, por muito pequeno que fosse a sua parte, nunca passaria despercebida.
Claro que foi Wim Wenders quem melhor o compreendeu e lhe deu asas. Inesquecível o seu desempenho em "Der Himmel über Berlin" (1987) como Damiel, um dos anjos que vela pelas almas terrenas e se apaixona por Marion, uma trapezista, interpretada por Solveig Dommartin. Uma tela expressionista berlinense sobre a finitude, a eternidade, o significado da memória e um emotivo confronto entre sagrado e profano.
A valsa triste das imagens mostra-nos o anjo decidindo-se pela mortalidade, a chuva, o aroma das flores, o sabor de um cachorro quente e o amor, e é indubitavelmente o papel da vida de Bruno Ganz, um actor mais do que realista, metafísico, que, tal como o seu personagem Damiel, tudo arriscou sempre na busca da mais alta performance interpretativa, ainda que muitas vezes inundada de angústia existencial. Fará muita falta pelos céus, não só de Berlim, mas do mundo inteiro.
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Bruno Ganz (1941-2019) |
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Bruno Ganz como Damiel em "Der Himmel über Berlin" |
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