Apetece-me hoje ir atrás buscar novamente o Natal, porque recebi então um presente que saliento da noite do sapatinho e que julgo que só o recebe quem tem sorte, amor e gratidão.
Chega a ser aviltante reclamarmos sempre do muito que temos face a quem nada possuí e ainda assim dá de coração aberto. Mas isso já é outra questão. O que queria partilhar refere-se à oferta que recebi da minha filha: um livro em branco.
Quando enfim atingi o sentido biológico da minha existência, muito depois de ter aprendido as letras e os números, lembrei-me de ter filhos, sem esperar grandes retornos, porque um pai nunca haveria de deitar filhos ao mundo com outro intento que não seja o de os amar. A minha grande surpresa foi a de ter gerado uma filha que, apesar da alvura que me põe nos cabelos, conseguiu enumerar duas das minhas mais gratas paixões, como que em um dicionário e assim me presentear em um singelo objecto.
"Este livro", depois me elucidou, "é para tu escreveres, à tua maneira, todas as receitas dos pratos maravilhosos que me fazes. Que nos fazes, a mim e ao Ró. Para que eu um dia, as possa ler e cozinhar e assim lembrar-me sempre de ti".
Admito a neblina que me marejou o olhar e também a metade das folhas que fui compondo desde aí.
O meu polvo à lagareiro (o seu absoluto favorito), o bacalhau alentejano, receita que cozinho todos os Natais. O Pudim de pão, o arroz de frango, o bolo de cenoura etc etc... Um belo exercício literário, o de tentar, da forma mais duradoura inspirar a minha filha para o futuro da minha própria memória. Foi provavelmente, o melhor presente que já alguma vez recebi.
Comentários
Enviar um comentário
Este é o meu mundo, sinta-se desinibido para o comentar.