Os dias percorrem-me as palmas das mãos
incendiados de ausência
velhos coturnos reutilizados e rasgados na ponta
da incerteza. Pálidos, pálidos...de morrer.
Os dias ou o dia ou a noite ou os dias ou o dia sempre igual.
Trago-os assim, aninhados sonhos de glória a sussurrarem-me
pelos elos crucificados da minha espinha.
- Aparecer-te-ei no final,
dizem-me - e se me fizeres um sinal, ajudar-te-ei a descer.
Cães absurdos, ferozes só à distância
de perto nem se vêem, são só a minha
piada infinita, escrita por um cómico alemão.
Fazem-se sobretudo em segredo
os meus dias tão lentos em tão rápido mundo
lenços brancos nas palmas das mãos
a pedir por fim rendição. Por favor
quitação, que só tenho é medo
de não ter mais as palavras certas
para escrever sobre o amor.
Não é tão somente a pele que me vai mordendo o fim profundo
sem rumores à vista persisto sim
mas sempre a olhar para trás. Á frente fica uma ponte incolor
onde cairei de joelhos em tempos de descobertas.
Os dias são manhãs de lentos passeios,
sem matéria de asas a nascerem-me dos ossos macilentos.
Das ruas emergentes saem terrores em forma de gente
e é dessas bocas de pássaro que se cruzam comigo
como espectros ambulantes dos meus anseios
que ouço de novo os dias a falarem-me da natureza do sono azul.
- Elsinore, Elsinore! O poeta morreu. Viva o poeta morto.
E a revoada levanta voo a caminho do sul.
Viu-se claramente o rasto de abandono, do cimo daquele monte.
Ficou para trás ainda em queda
um corpo velado em estado de vertigem
por todos os seus muitos momentos
de medo, de dor, de raiva, inveja e tudo mais posto ausente.
Toda a cidade passou instantânea a ser um dia mais antigo,
anterior a este e ao outro e àquele deixado em rodilhas depois da ponte.
Não foi tão somente o corpo que não mais acordou
deu-se um efeito de pedra, terra e chão
muito contrário aos dias vivos do desalento que nunca mudou
cheio de canibais vorazes de fomes sem solução.
Estranhamente depois vieram ainda mais dias insistidos.
Ilhas breves de mares sem fim.
Nem a fonte quieta da morte me livrou da sua teia.
não há registo possível que se possa mais escrever.
Devagar fabrica-se um mundo melhor, silencioso e cheio de cartilagens
momentos frios ao correr pelas escadas depois do monte.
Os dias agora são noites marítimas de desejos feridos
e mesmo no chão líquido golpeiam um corpo já todo ele carmim:
- Acabou-se a desdita, a fúria e a fútil peia. - dizem-me os dias.
Eis Caronte cioso, transportando-me pelo meio das margens
os astros brilhantes todos apagados e rendidos
e os pálidos, pálidos dias depois d'eu morrer
a ninguém explicam nada sobre mim.
Não foi tão somente o abrupto cancelamento dos socorros-a-náufragos
o nada ficou porque à minha volta só fechei o sono
desamparadamente nas noites em que escrevi para os dias que nem foram
parte de um mundo que jamais toquei.
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