Um dia desenhei um rectângulo largo em uma folha de papel-cavalinho, não foi salto nenhum, pois em anos antigos, já me tinha lançado a fazer rabiscos aqui e ali. Em pastel sobretudo, e uma vez cheguei ao acrílico, mas aquilo eram vãs tentativas sem finesse alguma. As artes plásticas são um mistério ainda, e uma das minhas grandes decepções como ser humano criador. Essa e a música. Creio até que terei começado a escrever por me faltar jeito para o desenho e para os instrumentos de sopro.
Assim que voltemos ao meu rectângulo. Esquissei-o de vários ângulos e adicionei-lhes cornijas e janelas. Alguns sombreados. Linhas rectas e perspectiva autónoma, cor e até algum peso acumulado. Longe do real mas muito aproximado deste. Quando dei por mim tinha o Mosteiro (Stª. Clara) desenhado, em traços grosseiros e pôs-me feliz ter chegado ali, até me dar conta que cometera plágio.
O meu subconsciente foi buscar o trabalho do Filipe Laranjeira ao banco da memória, e sem me pedir licença, copiou-o desavergonhadamente. Também isto me pôs feliz, pois o Filipe, que tem um mundo plástico inteiro dentro da alma, com alguma falta de entusiasmo, prejudicial para a descoberta do seu trabalho, é um dos artistas vila-condenses que mais admiro. Tanto que, até já lhe fui comprador e orgulhosamente posso dizer que possuo alguns originais deste talentoso artista. O seguinte é um deles:
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Óleo S/ tela 70x60 |
A sua relação com o mundo real intrusa-se na escolha de motivos em função das suas possibilidades passionais. Assoberba-se destes instintos como que em um elogio de opulência, e o grosso, ainda que não limitado a apenas, do seu trabalho centra-se no seu espaço de eleição: Vila do Conde.
Quando lhe perguntei porque não vendia mais quadros, o que lhe queria realmente perguntar era: 'porque me estás a vender este quadro brilhante, assim, tão barato'? - Não o fiz, por receio de que mudasse de ideias e me privasse desta pequena maravilha que agora encima o dossel da minha cama, afagando-me o sono todas as noites. - Fui aqui um mau amigo, mas um bom egoísta.
A verdade é que o Filipe, não cessa de deitar fluídos geniais para a tela, o papel, a madeira, e praticamente todos os materiais possíveis de poderem vir a ser utilizados pela sua infindável criatividade. É um colector por excelência. Reune apanhados de materiais aparentemente rotulados de lixo, e, acaba por gerar puro gozo estético com estes. As suas desmesuradas 'anatomias' paisagísticas, não são de todo versões degradadas do real, melhoradas quiçá, pondo carne e osso, de cores e formas, no bruto real da medula vila-condense, toda ela dotada de soberania própria.
É um particular Escher local que pressagia momentos decisivos destes corpos monumentais que lhe estão intimamente ligados, chegando a ser tão poderoso que, por vezes o apreciador se vê na posição de buscador, em uma caça ao tesouro, escondido entre as nuances do impossível.
Mas o enriquecedor encontro com a sua terra é sempre uma dura prova. O Filipe debate-se por vezes com a complacência financeira e atira-se à repetição para ganhar algum dinheiro. Pouco, muito pouco face à excelência do trabalho exposto.
Parece-me de uma intransigência brutal a maioria dos apreciadores, ou o público em geral (porque não?) ainda desconhecerem intimamente a obra deste grande artista que vende fac-similes dos seus trabalhos em formato postal ao custo de 1 Euro em locais reclusos. Creio ser um daqueles criadores que se desejaria apreciar em grandes vernissages de espaços emblemáticos a estas coisas. Todavia, é sempre assim que estas se processam. Mãos dedicadas são precisas e pouco custa divulgar um talento desta magnitude. Resta agora, a quem de direito se sentir impulsionado para o ajudar a ser conhecido, como, de qualquer modo ele o merece.
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Filipe Larangeira |
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