A chuva lava todos por tudo abaixo. É um singular milagre da natureza, que banal pareça, é transformativo e carregado da acuidade necessariamente exacta.
Em tempos disseram-me que utilizo demasiado esta palavra: "exacto", em muitas, todas as suas formas lexicais possíveis. Que a levo à minúcia, que abuso dela, como se a violasse de algum modo intra-lexical, um toque pérfido de escritor menor que larga líquido e mediocridade por onde a escreve. Uma perversa disparidade de uso, mesmo de significado ou falso 'páthos'. - Eu não sei. Adoro apenas o seu sentido. - Ou quiçá simplesmente me quedasse aquém do excelso talento de escrever e só fizesse recurso a truques exactos. - Uma destas afirmações estará exacta - Não estou bem certo sobre a incidência exagerada do termo, mas tenho grande certeza da sua utilização debalde. Sobre a chuva, por exemplo, é mais do que óbvia a metáfora e por isso, exacta, além de mais questões monótonas.
A chuva enerva as pessoas, mesmo aquelas que se debilitam pelo exagerado uso da palavra 'exacto', e as pessoas enervadas são mais claras, mostram mais de si. Agradam-me mais. Uma pessoa calma consegue disfarçar tudo, porém, quando perturbada por algo assim, expõe-se inadvertidamente e é exactamente real. Inadvertidamente real. Dolorosamente (por vezes) real. Deixa de se conter, de se falsear, é.
Dou graças à chuva por muitas pessoas que acabei por conhecer realmente.
É por isso que gosto da chuva como uma companheira leal. Abre-me portas de percepção que, de outro modo, jamais entenderia normalmente. A chuva, por regra, entristece, deprime, estraga, leva, molha e faz mais feios os melhores. A chuva não cai por acaso, tem alturas próprias ou fenómenos. que por o serem são exactamente extraordinários. É estritamente necessária e mesmo assim ninguém a aprecia. A chuva identifica-me.
E vocês dirão: "Que lata a deste tipo de se apresentar acima de um evento meteorológico". Mais ou menos, como se a chuva se subordinasse a si e não o inverso. Mas, assim é. Desde menino que gostei da chuva. A exactitude do Sol, punha-me de pé atrás. Qualquer um consegue fingir ser a melhor versão de si mesmo sob o Sol. Mas, e debaixo de chuva?
Debaixo da chuva quebramos o verniz e mostrámo-nos. A ideia está repetida, eu sei, contudo, certas coisas nominais, como a identidade ou a chuva ou genuinidade do ser humano, precisam desta insistência, deste empurrão bruto para serem verdadeiramente entendidas.
Eu gosto da chuva, das pessoas molhadas que são honestas por baixo da água da chuva e da exactidão inerente a tudo isto. Gosto mesmo.
Comentários
Enviar um comentário
Este é o meu mundo, sinta-se desinibido para o comentar.