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Saudades de ver bons filmes (XVIII)


Ao contrário do que muitas imaginações menos tolerantes acreditam, este blogue não se chama da forma como se chama, por ser eu um 'arrogantezinho de merda' (ipsis litteris) que só quer ver o mundo partido em bocados e reorganizado à sua maneira. É verdade que sou amiúde tomado por certas e determinadas arrogâncias, e é uma merda que o seja por vezes, pois só me lixa a vida. Porém, "O Mundo de Acordo com Miro" não é mais nem menos que uma homenagem, um singelo tributo a um pequeno grande filme que sempre adorei: "The World According to Garp".
Esta inteligentíssima produção de 1982, realizada por George Roy Hill, onde o malogrado Robin Williams interpreta o papel principal, - uma das grandes prestações da sua carreira, por sinal, - em um registo dramático, e porém sempre imerso naquela sua muito própria inocência cómica, que transparecia sem esforço quando o permitia, sempre me tocou em nervos e delírios muito particulares.
Creio até, que o facto de acabar por ser reconhecido como um genial actor de comédia, terá sido fruto de mera casualidade, derivada dessa sua natural capacidade de mostrar a humanidade à flor da pele ao trabalhar. Este aspecto é facilmente apreciável nos inúmeros espectáculos de 'stand-up' que adorava fazer, brilhantes todos, pessoais e muito relacionáveis, em oposição aos filmes, onde mais e mais se ia pondo exausto pelo humor forçado 'à Robin Williams' que lhe era proposto fazer para se manter à tona do sucesso.
Daí que, se se quiser verdadeiramente apreciar o autêntico actor Robin Williams, devemos procurar os seus papeis mais dramáticos, pois era nesses que se revelava realmente, e esta sua interpretação de Garp, é um verdadeiro regalo para os olhos e para a alma.
Sendo este filme dos princípios dos anos 80, creio só o ter visto pela primeira vez lá pelos meados de 90, trazendo uma cassete para casa de um clube de vídeo. Na verdade, agora que penso nisto, tratava-se de mais um dos miríades de clubes de vídeo que proliferavam como cogumelos selvagens por esta altura, e este filme em particular, encontrei-o em uma caixa de promoções, irrazoável depósito de filmes rejeitados entregues ao saldo do aluguer. Foi uma das mais gratas surpresas esta descoberta entre os irreconhecidos, os atirados para um canto, o que só me comprova muita coisa, mas enfim... o que me provou também foi a sua história encantadora e volúvel. A narrativa de um esforçado escritor que decidiu sê-lo desde pequenino e após uma série de desaires e imprevistos, consegue-o de facto, ainda que, com consequências imprevisíveis, sobretudo pela sua relação com a mãe (um irrepetível desempenho brilhante de Glen Close), e também pela intempestividade da sua relação com a mulher, amor de adolescência. Aquilo pôs-me imediatamente todos os pontos nos is e pensei na assertividade da minha própria vida futura em proporção ao que via no ecrã.
É um filme realmente muito interessante, talvez o achem um pouco longo, mas admite-se bem a sua duração como forma de contar a vida inteira de um homem, e passa num instante, pois é tão agradável e inteligente a abordagem a este personagem tão peculiar, que não cansa mesmo nada vê-lo. Os seus dramas e alegrias, os seus altos e baixos, a vida todo em pouco mais de duas horas, parece-me uma tarefa por demais bem conseguida. E tanto Williams como o restante elenco, (quero só ressalvar aqui mais um excelente desempenho de John Lithgow, como a confidente transgénero de Garp) e toda a forma como este se colocou perante o mundo que o queria moldar sem sucesso, acabando por sofrer em demasia por isso.
Importa o que importa, mas este filme, está no ranking dos cinquenta filmes da minha vida. Como todos os restantes, já o vi inúmeras vezes, e de todas as ocasiões, ainda não me conseguiu decepcionar.



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