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Onde houver um blog...


Sou um tipo efémero e mediocremente satisfeito com a insignificância, supostamente moderna, dos dias que ainda vivo. Sou-o porque todo o gosto antigo vai-me sendo apagado pelo mobiliário e fachadas das construções imparáveis do agora.
Vá, não penseis mal de mim por mais isto. Não exerço qualquer movimento de superstição, não sou nenhum markl, perdão, marco da contra-cultura. Só escrevo umas merdas em um blog.
Esta forma de vida, deve de ser várias vezes menos interessante do que qualquer outra, ou assim apontam as mais loucas estatísticas.
Ter um blog ainda, e querer alimentá-lo regularmente com novos conteúdos, textos e matérias interessantes, cativantes, fotos, vídeos, pensamentos originais que surpreendam os leitores e os façam voltar, e quiçá, talvez seguir, é, certamente, um acto de grande coragem em finais de 2018.
Porra! Atribuo-me esta medalha. Que se lixe. Se mais não for, este pensamento peregrino faz-me acreditar que ainda vale a pena.
É assim que, da minha janela, vou vendo as pessoas da rua a matarem-me a sangue-frio, no brilho deslizante dos seus telefones inteligentes. Espectros sinuosos a caminharem de saída ou para o metro, todos apressados a nem saberem para que raio é que este gajo se presta a escrever estas doidices. Está muito bem. Contrario, mas não enlouqueço já. Ainda vou percebendo um pouco sobre estes mecanismos apocalípticos da evolução. - Já vos tinha dito que ainda esta semana o Facebook fechou milhares de contas e que, também, largas centenas de milhar de usuários tem vindo a desligar-se desta rede? - Não! Bem, isto acoberta-me de algum calor. Não é que tenha sempre de ter razão, mas, quem é que não gosta de a ter?
Esperem, creio ter de corrigir aqui qualquer coisa: "ter um blog obscuro e querer..." já perceberam, certo? - Pois ainda há quem alimente realmente blogs com e de grande sucesso, sim. Puxados a temas ou dispersos nas suas temáticas. A escolha é quase infinita. Pessoas de grande valor até, não um 'calimério' qualquer. Porém, a sua razão de ser continua presa às mesmas premissas dos seus algozes (as redes sociais); a divulgação massiva!
Conduzimo-nos todos à falta de cultura e educação, à velhice disfarçada em 'high-tech', metidos entre uma espessa fumarada de estupidez. Corremos atrás de quem sempre esteve ao nosso lado e frustramo-nos em dislates quando este não nos valida uma letra.
Vejo novas extinções pela janela, quase todos os dias, e nem necessito de me ligar a coisa nenhuma. Estão lá simplesmente, a extinguirem-se aos poucos, na minha pátria e no meu mundo, onde tudo é só parecido com algo, nunca igual a nada preciso e diferente.
Vejo a morte diligente a andar como gente debaixo dos olhos das pessoas que a trazem nas mãos e sinto um amor desesperado por essas criaturas que caminham já consumidas. Um crime desastrado, à direita e à esquerda da inteligência, a soltar vapores pelos olhos cansados da humanidade.
Ah, sim. Os blogues. Sulcos de rodados em estradas de terra batida. Vem um vento mais suave e desaparecem. São como o cotão acumulado, não duram o espaço de uma unha mais diligente.
Um blog, como um perfil de facebook, como uma conta de twitter ou instagram, não resiste jamais à indiferença paulatina. É como arrojar um corpo ao espaço por uma câmara de descompressão; congela e depois explode em nada pelo nada, para sempre nada. Para sempre nada, nada, nada, nada...
Mas há aqui três variantes: ou se cria um blog como um 'diário', pessoal, nosso, independente e alheio ao interesse de terceiros, ou se faz uma publicação na internet que se designa pela vontade de querer ser lida e vista, comentada e partilhada, enfim, divulgada e expansiva ao resto do éter. Ou, por outro lado, se tenta fazer ambos, e se falha redondamente.
Criei um blog antes mesmo de iniciar a demência mental de me atirar a querer ser escritor. - Que tolice tão grande para uma pessoa como eu. - Naquela altura as redes sociais eram pouco mais que poças sujas com falta de vida animal e os blogs, pujantes, ainda supriam uma necessidade extraordinária de exposição que acabou esfacelada em fanicos pelo que veio depois.
Assim que me apercebi disto fiz aquilo que me apraz e que, todavia, nenhum caixão claro me fez desistir. Este espaço é um pátio nocturno, com penachos erectos e choraminguices por demais, contudo, isto é a minha grotesca alma, onde se produz o espectáculo do Miro, personagem kafkiano ou orwelliano, ainda não determinei exactamente qual, cheio de serras e vales maravilhosos banhados por rios impossíveis. Antigas crateras, cingidas de colossos obsoletos e pouco atractivos. Ainda ruge de vez em quando, magoado quase sempre, continua a caminhar nesta linha férrea da convicção, dos festins do amor e do seu, muito pessoal, céu embandeirado. Ou não se chamasse este blog "O Mundo de Acordo com Miro"
Este blog é meu, carregado de rumores e de mares revoltos, búzios preciosos e muita merda. Muita da merda que me sai da cabeça, da minha cabeça. Por isso...
Entro em invocação sempre que aqui escrevo, no que ao resto do mundo concerne. As lendas e ímpetos que aqui vou deixando, nunca me sobreviverão. Eu sei. E depois? Vou morrer longe da minha vontade de dizer o que me apetece? Não! Onde houver um blog ainda há uma voz e isso, entrementes me tenha posto em desaviso, alimenta-me o desejo de continuar a escrever. Poucos que sejam os leitores/seguidores, aqui, ainda é o último reduto onde me sinto à vontade para o fazer e também onde ainda aguardo pela validação justa antes da morte.

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