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Garrett a dar hóstias na boquinha dos desgraçados


Quando Garrett pouco antes de morrer, acabou de corrigir as provas de "Folhas Caídas" com a sua habitual caneta de porco-espinho tão mordida de tanto procurar a simplicidade, afirmou com autêntica singeleza: "os cantos que formam esta pequena colecção pertencem todos a uma época de vida íntima e recolhida que nada tem com as minhas outras colecções." Não tinham mesmo, daí, esta sua última publicação ter sido encapotada sob o anonimato derivado dos seus cuidados pelo escândalo da sua relação com a Viscondessa da Luz, a quem a maioria dos poemas eram dedicados. - E contudo, desde os dez anos que versejava altivo, coisa de vocação pura e mais do que só isso, cresceu tanto levado por aquele talento ímpar que foi lançando um pouco de tudo ao prelo: romances, novelas, teatro, ensaios..enfim, um exibicionista descarado, pois havia em si um par de tomates a pingarem respeito, responsáveis pela maioria das suas virtudes e defeitos que pareciam ser capazes de tudo. E eram.
Em compensação, embora desafinado dessa mesma pujança, me encaro. Pouco me espanta que venham a erguer o sobrolho com esta afirmação. É que tenho uma relação com a 'exibição', que segue no sentido contrário à do Garrett, quase de repugnância, portanto, tento batalhar com o mesmo afinco mas sai-me tudo para os fundos das gavetas.
Assim sendo este pequeno prólogo serve apenas o propósito de vos lançar um pedido de ajuda.
Sobre o ilustre Garrett em si, não me alongo mais, visto não possuir um pingo da destreza erudita necessária para prolongamentos descabidos sobre a genialidade. - Com o devido respeito que merece, para o caso em questão, quero mais é que ele se fornique todo.
Há toda uma essência de religiosidade cega na entrega aberta à tarefa da escrita. E admito ter conhecido já um pouco de tudo que é meio cristão neste meio: metodistas e presbiterianos, baptistas e episcopais. Uma mão cheia de adventistas e protestantes em demasia. Poucos católicos que andassem de braço dado com aquilo que a minha mãe me ensinou a ser. Tudo uma cambada de umbigos sem coração, sem sangue comum. Por isso me fechei a todos os jeovás, não lhes suporto aquela aversão ao sangue alheio. Conheci até dois calvinistas que só liam banda-desenhada às tiras e mal sabiam escrever o nome próprio.
Acabei por vir a conhecer muitos 'cristos' mas poucos, mesmo muito poucos cristãos sérios. Deste manancial de gente que advoga um pouco de tudo pelas letras que deita em tantas frases, poéticas ou não, publicadas em papel ou não, realmente inspiradas ou não, fiz amigos e conhecidos. Nomes juntos e alianças que fui observando ao longe com muita atenção, aqui e ali. A maioria, trapézios de gente, que se inclina para onde mais lhe convém. Não possuem equilíbrio real, só exibição, 'panache'. - Foi daqui que me lembrei do Garrett. - Nunca fiz um inimigo de propósito. Mas, sei que ganhei alguns, sobretudo porque as pessoas esqueceram-se de pensar e só agem agarradas às emoções que nem sentem, só lhes fica bem nos retratos.
No fim, por minha conta e risco, acabei aqui, só e malquisto. Maldizente, azedo, a largar farpas por tudo quanto é lado e estou farto, acreditem-me. Já mal aguento o meu próprio azedume.
Decidi inúmeras vezes deixar de escrever, esquecer isto tudo, mas isto é como o vício do tabaco, faz-nos tão mal mas sabe tão bem.
De modo que, sim, isto é um genuíno pedido de ajuda; escreverei argumentos para cinema de algibeira ou sério (se tiver sorte), rimas abonatórias para casais na corda bamba do desespero, contos, partilhados ou não, novelas infantis que façam rir e chorar as crianças e os avós, peças de teatro de cave, romances fantasma...estou a por-me de rodilhas e a atirar-me deliberadamente ao anonimato para conseguir escrever algo que alguém venha mesmo a ler. Estou a oferecer-me como uma puta de cinco euros, um carro usado em bom estado no OLX, aproveitem...se precisarem, se acharem que compensa a mão estendida em fé real, ou, alienação das alienações, se acreditarem que possuo algum talento que vos mereça.

Preciso de trabalhar, de escrever...Ajudem-me! Só precisam de me estender um convite. Só isso.


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