O Senhor Barbosa às vezes faz um esforço e vê o mundo como se este fosse novo, com os traços nítidos de um recém-nascido. Cheio das cores e formas vivas da primeira vez.
É esquisito não lhe causar mais estranheza olhar-se ao espelho, e ver-se tão jovem que poderia quase ser filho de si mesmo. Deixa passar um breve silêncio, depois diz devagar, de si para si: "Ninguém ouve ninguém, não sabes? Que aprendeste com a vida, homem?"
"Pobres tolos existem em todo o lado, vestem-se de gente mas são melhores do que vulgares pessoas, parecem flores constantemente a florir - acrescentou - pelo menos na minha juventude havia-os aos magotes nesta nossa terrinha. Enchiam as ruas desse mesmo fingimento com que as pessoas de agora se entretêm a evocá-los."
Já então correra de boca em boca, e mesmo em algumas notas de rodapé no último pasquim que o reconhecia, que o Senhor Barbosa havia endoidecido pela morte que o cobriu dos pés à cabeça e depois o soltou em um soluço, rejeitando-o ao gosto de folhetim de uma crónica qualquer.
As pessoas liam-no e aquilo punha-lhes o susto perto do coração, mas era só uma loucura temporária, diziam, era só uma pequena loucura engavetada naquela cabeça estranha. Ele não faz mal a uma mosca, diziam, ele não faz mesmo nada de mal ou de bem.
"Os espelhos metiam-me medo - confesso-o - mas já não. Talvez me metessem medo por reflectirem sobretudo pessoas, e talvez tenha querido mascarar-me de louco para me dar algum descanso destas. Para saber se realmente existi do lado de fora de um espelho."
Existe mesmo, não é nenhuma invenção. O Senhor Barbosa mudava da mesma forma que as flores conforme a imposição do calendário. Assim como assim, chega uma altura na vida em que é mais necessária a descoberta do que a verdade, até para um crisântemo, um dente-de-leão, um crocodilo ou um tolo. Na sua frente restava um homem suado e coberto de penugens várias, as bochechas balofas e trémulas a resfolegarem pelo calor implacável, as pernas e os braços flácidos, e mesmo assim, ainda tão jovem à sua vista. Tão pronto a continuações, a revelações de descobrimentos e a usar a poesia como alibi para se manter maluco.
"Pobres pessoas 'sérias', que dizem que nada faço, que pouco existo, que fiquei tolinho, tolinho... qualquer árvore que vêem por aí, também parece nada estar a fazer, e mesmo assim, todos os anos aparecem novos frutos e flores. Ah!"
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