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Saudades de ver bons Filmes (XVI)


...Surpreendentemente devastadores.


Tony Musante e Martin Sheen em "The Incident" (1967)

Agrada-me sempre descobrir filmes que ainda consigam a proeza de me perturbar sem fazerem recurso aos mais comuns estratagemas. Isto não é realmente exacto, ou totalmente verdadeiro. 
Os 'truques' de facto estão lá, as habituais artimanhas facciosas que são e sempre foram marca registada do 'cinema exploitation' de série B; a gratuitidade da violência insensata, o argumento devassado, fracos valores de produção, a utilização de actores desconhecidos (apesar de se munir de uma mão cheia de excelentes actores de segunda linha, muito familiares ao espectador mais aficionado, os dois protagonistas: Musante e Sheen, estreiam-se aqui. E mesmo que nunca tenham ouvido falar em Tony Musante - que faz aqui o papel da sua vida - certamente que já ouviram falar de Martin Sheen).
Apesar e acima de qualquer género ou estereótipo, o grande espanto deste filme extraordinário é a sua crueza desmedida. O vulgar 'murro no estômago' sem preparação. A segurança do realizador Larry Peerce na condução (quase) infalível do grupo de actores e da acção constantemente provocatória da película, carregada de temas ainda quase impossíveis de atacar à época (racismo, homossexualidade, casamentos quebrados, violência conjugal). 
Convêm fazer aqui um aparte para explicar que este filme se encontra em uma lista de filmes banidos. Sendo que isto, valendo o que vale, coloca em evidência o desprendimento do seu realizador, a sua vontade de colocar a narrativa de Nicholas E. Baehr, que escreveu também o argumento, em plena evidência realística.
Põe-me a pensar no realizador austríaco Michael Haneke, e na hipótese de este o ter visto em tempos, de se lhe ter infundido profundamente e depois inspirado a dirigir o perturbador "Funny Games". A versão alemã de (1997) e também a americana de (2007) que nem lhe chega aos pés.
O que mais me agradou até, foi o frescura absoluta de me atirar a ver um filme apenas pela singularidade de ser o primeiro de Martin Sheen e depois vir a sentir-me tão incomodado quando os créditos finais iam rolando no ecrã que me apeteceu bater na TV. Gosto e sempre gostarei dos pequenos desconhecidos que conseguem feitos de audácia e talento e este filme cativou-me sobretudo por isso. 



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