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O Público de Turbante


Como haveremos de ser felizes entre uma tranquilidade que nunca nos parece normal? - Sentimos uma espécie de inquietação alienante, de pressentimento permanente, de suspeita sobre a realidade material do que nos vai acontecendo e desagradando. E nunca dormimos em sossego e não deixamos jamais a jornada do negrume. O silêncio é a nossa única arma. Não vale a pena a revolta armada, o grito público. Não existimos. Reclinámo-nos na cama e somos prisioneiros das nossas frustrações. Deitámo-nos e só caímos, só nos afundámos mais.
Pedimos em voz clara, muito natural, que nos sejam atendidos os pedidos mais desafogados de todos. Um enxovalzinho estendido em nossos braços que entregamos constantemente. Rejeitado, rejeitado, para sempre recusado não obstante o potencial (aparente) interesse.
E temos dias de procrastinação absoluta por medo de sermos inconvenientes e outros maiores, longuíssimos, onde as lágrimas nos sulcam os rostos que são tão humanos como os de qualquer um.
Temos até dias em que distintamente pedimos assistência, socorro. Todavia, nem todas as subtilezas de engenho, ou excelências intactas de retórica dialéctica nos serão suficientes. Somos ausentes. E só algumas pessoas vivas conhecem este grotesco defeito que somos. 
Bem podereis vós, leitores, aventar que todos estes abatimentos, melancolias, raivas, meditações, frustrações nunca irão compor o agregado de virtudes suficientes para sermos aquilo porque choramos. E eu, dir-vos-ei: continuai então a ler esta honesta crónica.

Porque, se os mais dos sonhos se caracterizam pelo revolver das coisas profundas, mesmo que através  dos mais claros e lúcidos momentos de auto-comiseração, em tempo algum, alguém, capaz de se por a chorar assim por palavras justas, haveria de ser destituído do seu valor.
Ao cabo de alguns anos, sente-se mesmo uma enorme dificuldade em suportarmos a vida, não porque se tem a consciência exacta da catástrofe, nunca se adivinha claramente a extensão da auto-nulidade, mas porque sabemos que esta nos pesa sem alívio, e mais ou menos desesperados, mais ou menos amargos, sentimo-nos incapazes de reagir, ainda que rodeados de cuidados e vigilâncias, incapazes de ignorar a saudade intolerável dos momentos inenarráveis de felicidade que chegamos a experimentar.
O segredo disto é tão simples; angustioso pasmo ante a realidade incontornável que recusámos aceitar: não nos querem, não somos queridos, fica-nos só a impressão da solidão, o vazio, a injustiça (achámos - porque só temos de achar) de não conseguirmos, sozinhos, remediar todo este mal que nos derruba.
Mas, quem nos deitará a mão, assim, já derrubados?
Quem alavancará alguém que por todo o lado lhe ensinam a não respeitar?
Assim que, a quem ler isto, bem afortunado sejas, por leres um fantasma, tão presente e já tão vago, por te escapar os pormenores físicos de mais este pequeno desabafo e por te passar ao lado o sobrenatural, o incompreensível, o caos, o pavor, o gelo fatal desta palavra: "fim", um ataúde críptico para os não crentes. Para os intranquilos.
Bem hajas mesmo assim, por não sentires um remoque de comiseração e te lembrares de um amigo e te ocorrer suavizar uma dor alheia e fazeres por acudir um poeta louco, marcado pelo ardor das chagas do desdém, em carne viva. Por não fazeres contra todos. Bem hajas por continuares aqui ainda a leres esta narrativa sem pele e osso, este devaneio embriagado. Bem hajas também, por leres o que te traz calma e paz social.
É possível que nunca venha a ser feliz ou escritor, ou ambos, porque para mim são uma e a mesma coisa, mas tu, tu serás sempre uma boa alma feliz e sorridente.

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