Uma zona de conforto é um lugar maravilhoso, mas nada jamais cresce aí. Mesmo assim, não é fácil abandonar tal recanto para se entrar em um mundo selvagem, povoado de opressores em cada canto. É necessário uma certa efervescência de vontade, levantar os pés do chão, e antes de passarmos as nuvens, deixarmos os sonhos para trás, restabelecermos relações com a realidade e encararmos tudo com a mais profunda calma, como se fizéssemos um pacto de silêncio com a auto-determinação.
Se eu fosse um lugar seria assim, ou um lugar como acreditei que um lugar assim deveria de ser, teria sido deslumbrante e triste como uma faca a cortar livros de areia, e, em grande parte, ao acomodar-me nesse conforto ilusório, em efeito retalhando possibilidades ou trafulhices sentimentais por anos a fio de truques e tiques escritos sem grande impacto, fui-o, mesmo que só eu acreditasse que estaria confortável e foi por isso que falhei tão alto.
Sempre me maravilhou a literatura do realismo mágico, aliás, fiz todo o meu caminho até aqui nesse deslumbre tão inútil, tão estranho e imponderado, uma máquina incessante que me tirou as mãos do corpo e o corpo pareceu-me distante desse lugar e esse lugar tão afastado da Terra. Vim a descobrir que o novo mundo não me quer. Sou sujo e barulhento, inconsequente. E, por madrugadas infinitas de luz, esperança e aço senti-me formidável no meu confortável lugar maldito, mas vivia em um outro lugar, longe desse. Do lugar que imaginei que deveria de ter vivido.
Fui narrador e personagem, fui pai e filho, marido e amante, sonhador e louco. Matei-me e reconciliei-me com algumas emoções mais violentas. Nessa zona lancei barcos invisíveis e tão belos que ninguém neles quis embarcar, por medo de os destruir de tão frágeis que pareciam (quis acreditar). Não o eram, nunca o foram. Mesmo assim sentei-me por noites perdidas sem conta e escrevi o meu futuro, sem saber sobre o escuro que me iria cobrir eventualmente.
Não consigo mais. Acabou-se. Desligam-se-me as mãos devagar, e permito que o tempo me cubra de vergonha agora, se misture com o meu corpo, me entre pela boca me suba à cabeça e me execute mansamente enquanto o meu futuro se enche de longas esperas sem proveito.
Tem de haver sempre um momento onde se realizem os fracassos no espaço real de existência, onde se desmantela definitivamente toda a magia e se libertam as pombas brancas da desistência. Há que encarar tudo isto e deixarmo-nos de choradeiras, pois o mundo selvagem não tolera sonhadores de quarenta anos, mastiga-os e cospe-os e é assim que tudo termina, em um lugar real. Tão filha-da-puta real que nem o consigo imaginar ou escreve-lo. Por isso, 'hachetague' meus caros. 'Hachetague' tão actual e presente, que eu nem sei escrevê-lo direito.
OMirojánãoescreveporranenhuma
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