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Ramalho continua muito Nosso.

Toda a gente conhecia o Ramalho e essa foi a sua maior tragédia. 
Muitos dias de volte-faces valeram-lhe demasiadas gargalhadas impróprias. 
Perdeu os ouvidos a quem sussurrava: "Um Poema por um Café". 
Esqueceram-no demasiado depressa os mecenas de circunstância, pagadores de umas cervejas em troca de uns sonhos legítimos. Puseram-no de parte, a ele e às epifanias que o arrebatavam. 
Ao Ramalho, ignorava-se como ao resto dos retratos dos tolinhos exóticos que habitam e constituem a alma das pequenas cidades, e quando não fosse possível ignorá-lo, evitava-se-o.
Então, desaparecia por espaços compridos e ninguém fazia grande caso disso. Vez por outra lá era mencionado, mas já a título póstumo, só por alimento das dúvidas de que poderia até ter sido alguém a quem se erguem estátuas, se cortam fitas por rabiscos no chão público ou se dão nomes a escolas. Foi um pensador e um filósofo, um Poeta.
O Ramalho sempre teve cabeça para as matemáticas, andou em Coimbra a encontrar-se longe dos números e depois quis mais foi escrever versos e pequenas estórias líricas. 
Daí o alívio quando ele não percorria andarilho os cafés ou as ruas. Era aquele tipo de quem era preciso manter uma certa distância de segurança. 
Ninguém gosta dos poetas que se aproximam, só daqueles que ficam fechados no pó dos livros ou no brilho do facebook. E assim, tornou-se uma espécie de vestígio arqueológico de um tempo mais livre e boémio, prestes a desaparecer.
Soube hoje, fez agora um ano, que o Ramalho andou desaparecido por mais tempo do que o costume e que alguns dos que habitualmente o evitavam até andaram à sua procura. 
Não foi por sentirem a consciência pesada nem teriam motivos para tanto. 
Somente porque há pessoas que são muito maiores do que parecem, mas claro que isso só se aprende quando elas deixam de estar. Agora já é fácil dizer o quanto dele se gostava. É fácil, por que morreu.
E o Ramalho assim fez, há um ano, mas continua tão nosso, que poderíamos ter sido amigos.





Armando Ramalho

DEVER O SIM DE LUZ


Devemos o sim de luz, 

e embora o que dever

se escute como o fosso
é o tempo que se deduz, 
é o que o mar faz reaver, 
é o olho da podridão do poço... 
dever o sim de eternidade, 
e roufenhar o prazer de amar, 
em vão o sono fosse irmandade, 
o prazer de amar luto de odiar... 
como dever ao sono feliz, 
uma árvore com folhas e raíz, 
e dizer um eterno e vivo sim, 
não tem horas, não tem fim... 

ARMANDO RAMALHO

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