Avançar para o conteúdo principal

Dolores O'Riordan


Nunca saberemos muito bem porque nos morrem sempre aqueles de quem gostamos. Morrem ao seu tempo, feito ou destinado, mas morrem e como gostamos deles sentimos que são esses que nos morrem, sempre. Talvez, em si mesmo, seja já um desgosto anunciado gostar, mostrar apreço, ter afeição e a única sorte que nos calharia para não sentirmos estas mortes debaixo do Sol, seria morrer antes destes. 
Em princípios dos anos 2000 (já um pouco tarde, mas nunca tarde demais) uma amiga apresentou-me os Cranberries, uma banda irlandesa de rock alternativo, indie-pop, post-punk, folk, dream-pop, sei lá. Nunca liguei muito a estes rótulos. Emprestou-me o álbum "Bury the Hatchet" (1999), um disco excelente, e assim que ouvi aquela voz feminina (Dolores) a segurar por completo todas as músicas do disco, fiquei apanhado. Completamente encantado. É certo que tenho uma moderada 'panca' por quase tudo que me chegue da ilha esmeralda, mas aquela mulher conquistou-me no primeiro solfejo. A sua voz era límpida e sensual, exacta em todos os mínimos e máximos acordes, seria impossível não a amar logo, como igualmente me é impossível agora, não sentir que me morrem sempre todos aqueles de quem eu gosto. Talvez seja porque ainda estou vivo, ou porque acho demasiado assistir a tantos partirem no meu tempo de vida.
Ah, antes que me esqueça, também era tão bonita que na primeira vez que juntei a voz ao rosto me deu um abalo gigante no ventre. Que triste que fiquei hoje. Triste por ainda querer gostar. Nunca mais deveria gostar de nada ou de ninguém.


Dolores O'Riordan (1971-2018)

Comentários

Mensagens populares deste blogue

A queda de um anjo triste.

Desafogados brilhos desta existência, quis olhar em frente, e vi somente escuro. Escuro, escória, lixo, lama e penetrante breu. Quis seguir em frente e não mo permitiram. Quis marcar presença, caí, e fui banido. Quis viver, e fui marcado a fogo com o rótulo do nada. Malditas palavras que me acendem esta vivência, pudera eu ser livre, e não viver por trás deste muro. Ser vento, ou poeira, e correr solto pelo esplendor deste céu. Malditas palavras que de mim emergiram, ainda mal as proferia, e já as via, abafadas em seu ruído, como se fossem pássaros, abatidos em revoada. Como eu mesmo, abatido assim, em tenra idade. Mas sosseguem, pois sou coisa irritante que insiste em não morrer. Malogrado pela estupidez do desprezo, sou, ainda assim, Homem! Homem! Homem... Estou vivo, e não desabo. Desafogado percurso que ainda mal começa, não verás teu fim nesta desdita amordaçada. Quis dizer o que quis, e não me faltou a vontade. Mais fáci...

Acerca de Anderson's...

Hollywood é um gigantesco cadinho demente de fumos e fogos fátuos. Ali se fundem todos os sonhos e pesadelos possíveis de se imaginar.  Senão, atentem, como mero exercício, neste trio de realizadores, que, por falta de melhor expressão que defina o interesse ou a natureza relevante deste post, decidi chamar-lhes apenas de os " Anderson's ". Cada um mais díspar que o outro, e contudo, todos " Anderson's ", e abundantemente prolíficos e criativos dentro dos seus géneros. Acho fascinante, daí querer escrever sobre eles e, no mais comum torpe da embriaguez, tentar encontrar alguma similitude entre eles, além do apelido; " Anderson ". Começarei por ordem prima de grandeza, na minha opinião, e é esta que para aqui interessa, não fosse este um blogue intrinsecamente pessoal onde explano tudo e mais qualquer coisa que me apeteça. Sendo assim, a ordem será do melhor para o pior destes " Anderson's ".  O melhor : Wes Anderson .  O do meio : Pau...

O discurso do Corvo.

Eis-me aqui, ainda integralmente vivo e teu, voo ao acaso, sem saber por quem voar, por sobre rostos de carne, palha e infinito. Trago as mãos feitas num espesso breu, toldadas pela sede de te possuir e de te dar, o ténue silêncio, que é tudo aquilo qu'eu permito. As palavras, quando são poucas, sabem melhor, dizem tudo melhor, se forem poupadas. Abre os braços então, e recebe-as em teu seio, a secura desta terra já consome o sangue do meu terror. Já falei, e agora vou voar num céu de pequenos nadas, disperso no bando obscuro, mesmo lá no meio. De modo que, apesar da lucidez dos meus instantes, continuo sempre algures, no longo espaço que nos envolve. Nada temas destas mãos de cinza que já não tem dedos por onde arder, Eis-me para sempre, nos interstícios perdidos e distantes, desta paixão que é dada, e que não se devolve, e que é minha e tua, porque assim tinha de ser! Casimiro Teixeira 2012