O senhor Barbosa parece que teve uma juventude feliz. Que pena
que a felicidade não o acompanhou em anos mais recentes. Quando envelheceu, deixou muito pelo
caminho. A felicidade foi uma delas. Ou talvez a inocência. Talvez até tenha sido a
inocência o que o fez perder a felicidade. Não sabe muito bem, mas anda a ler sobre o assunto.
Também não se importa. Já se habituou a ser mais velho do que as pessoas o imaginam.
Tem uma espécie de estratégia absolutamente ineficaz, mas que usa e abusa como se fosse um plano perfeito: afasta-se
e deixa todos em paz por algum tempo, e quando acha que passou tempo suficiente e
tendo a obrigação de já ter realizado algo que valesse a pena no entretanto, retorna, com ar tímido e curioso de discípulo admirativo, que vem
visitar os mestres.
Talvez pareça que o senhor Barbosa nem sente saudades de ninguém, mas é um equívoco.
Depois de dias cheios de tempo em excesso, logo surgem as suas ideias transformadas, ampliadas, metamorfoseadas em ideias de lástima pelo afastamento. Imensamente fortes,
evidentes, sabe ele muito bem, como se tivessem sido dele desde sempre. Não foram. O senhor Barbosa teve de facto uma juventude muito feliz e teve amigos e deu muitos passeios e abraços, conversou tanto, riu-se imenso.
Então deita fora os estudos e os livros e os esboços que escreveu entrementes, minutas obsoletas em que timidamente experimenta uma nova explicação, que antes desenvolvera na sua cabeça ansiando pelos créditos e admiração do mundo, e começa tudo de novo. Aprendeu. O senhor Barbosa por fim aprendeu a conviver consigo mesmo, parado em uma assoalhada tão diminuta que quase nem dava para estar ali sozinho ao mesmo tempo.
Então deita fora os estudos e os livros e os esboços que escreveu entrementes, minutas obsoletas em que timidamente experimenta uma nova explicação, que antes desenvolvera na sua cabeça ansiando pelos créditos e admiração do mundo, e começa tudo de novo. Aprendeu. O senhor Barbosa por fim aprendeu a conviver consigo mesmo, parado em uma assoalhada tão diminuta que quase nem dava para estar ali sozinho ao mesmo tempo.
E, ainda que tenha sido já feliz não significa que abandonasse essa necessidade. Só que, apenas os mais resistentes o recebem de volta quando retorna. Apenas os mais tenazes continuam a sentir saudades suas.
Sabe bem que não há prestidigitação de lugar algum que substitua o conhecimento dos
momentos secretos em que se estabelecem as correspondências cara a cara, corpo a corpo. Sabe isso tão bem. Entende também que não há
medalhas por feitos corajosos que ninguém senão ele entende. O senhor Barbosa confere a si mesmo a graça audaciosa, a sedução do auto-rapto, o conhecimento exacto de como se travam as batalhas amorosas e sobre qual o
momento de seduzir, qual o de consolidar, qual o momento da capitulação. Sente saudades sim, mas este é o momento para desistir não para insistir.
Será certo que terá muito menos pessoas na sua vida quando chegar o momento do regresso. Sabe isso também. O que o senhor Barbosa sabe não lembra a ninguém. Por vezes, nem a ele próprio.
Admite que as coisas nem sempre se poderão passar assim. Não será possível aguentar isto a vida toda. Mas, acredita que é muitas vezes o que acontece enquanto se aguarda que nada disto nos aconteça.
Talvez tenha lido isto em algum livro, ou quiçá o tenha escrito em algum esquisso abandonado.
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