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Agá



No dia agá acordei a ver os brancos dos meus
olhos tornarem-se vermelhos.
Podia ter feito qualquer coisa
menos cantar canções sobre o futuro.
Cantei, mesmo assim.
No espelho viam-se-me os braços partidos
fracturados pela ausência
dos meus sonhos mais velhos.
Lá embaixo,
três crianças brincam onde o sol poisa.
Haviam logo de brincar hoje.
Malditas!
É áspero o seu escárnio, exactamente virado a mim.
É duro,
observar todos os meus sonhos varridos
no fluir líquido desta demência.
Mas há sempre um relâmpago senil,
Foge-me pelas frestas do sorriso vão
insidioso.
Volume perene de escombros
no arquipélago da loucura.
Não haveriam de estar crianças aqui.
Aqui há só escuro
é tudo fel, mal, é tudo vil.
Não deveria aspirar a algum futuro bom.
Jamais o mereço.
Abro a janela de par em par,
a espantar as crianças com os meus típicos barulhos
sons da minha auto-tragédia que perdura.
Elas brincam, e vivem e eu só não esqueço.
Malditos sorrisos das crianças!
Não sabem que sem a serenidade os sonhos não sobrevivem?
ei tu, ó criança, não viste, tu não vês?
Riem e riem...riem nos seus segredos.
Que saberão estas crianças sobre o meu mal-estar?
Nada! São crianças. São assim.
Tempestades que vicejam na insensatez.
No dia agá fechei a janela e refugiei-me
nos meus queridos medos.
Fechei o estore, baixei a persiana, barriquei a luz
meti-me a avaliar o conflito devastador do próprio ar
que respiro sem vontade, antes do fim.

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