- Porquê? - Responde-lhe em contra-golpe. - Porque foi aí que me acertaste com os mesmos estiletes ainda ensanguentados de antes, as cuspidelas de distração...em cheio, com esse teu "amor". Aqui está o porquê.
- Nunca conheci ninguém como tu. Não tens coração, ponta de amor, empatia, nada.
- Tenho sim, mas ninguém o quer da forma que o dou. Toda a gente só quer muito o amor que dá, pouco, o amor que recebe, se achar um pintelho de diferença entre estes. Se existir um grão que seja nesta engrenagem, deixam as flores de crescer, apodrece tudo num instante. O amor é a forma mais natural de desentendimento.
- O desamor, queres tu dizer.
- Não, não. O amor mesmo. Não há razão alguma para se inventar uma palavra que lhe prefixe o oposto daquilo que já é.
- Estás a dizer que toda a gente é egoísta, como tu mesmo, e assim incapaz de amar quem não nos ama igual?
- E não é? Quando nos conhecemos éramos uma imensa terra fértil, cheia de potencial, depois, lentamente fomos plantando pequenas sementes um no outro, vez por outra regávamos aquilo tudo a ver o que dali brotaria. O tempo passou e estas...
- Queres parar com as metáforas agrícolas. Isso é ridículo. Tudo isto é.
- É um bocado, aceito. Seria bom também que aceitasses o que te tento dizer..
- Não.
- Não?
- Não! Tu pensas e ages em função da tua ideia de domínio. Por isso consideras o amor um fascismo, és um ditador. Um patético ditadorzeco.
- E para quando a revolução? - Pergunta-lhe com os olhos muito abertos.
- O quê?
- Quando é que as pessoas começarão a dizer realmente aquilo que pretendem, em vez daquilo que ferirá o outro, só porque este não nos disse aquilo que gostaríamos que dissesse? Há liberdade no amor, alguma, qualquer uma?
- Estás a tentar confundir-me, fazes sempre isso. Emaranhas tudo. Não és capaz de dar uma resposta directa? Típico em um prepotente! Só sabes ser altivo e dominador.
- Eu não. O amor é que é. Se se assumisse logo à partida exactamente...
- É muito simples: ama-me para sempre ou parte já.
- Vês? E eu é que sou prepotente? Só o amor te faria dizer isso, mais nada. Não existe democracia no país do amor, só regras e compromissos e construções complicadas de estruturas frágeis, que podem cair em qualquer momento. Se me tivesses permitido continuar com a minha metáfora, verias que...
- Não.
- Sinto que já fizemos isto antes. Estou cansado.
- Não, não fizemos. Esta será a primeira e última vez que o faremos também. Descansa.
- Se ainda ao menos pudéssemos só falar...
- Não. Parte apenas, por favor. Deixa-me em paz.
- Assim que se cortam todas as flores pela raiz. Volta-se ao descampado?
- Não me interessa mais nada disso. Por mim poderás continuar a fazer as metáforas que queiras, desde que não me sejam dirigidas.
- Preto ou branco?
- O quê?
- Que o amor te pôs a ver tudo só a duas cores, sem nuances. Duas opções, dois opostos...ama-me ou não me ames. Ficas ou vais-te. Logo tu que viste o mundo inteiro quando foste nova. Que conheceste tanto, experimentaste tanto. Agora tornaste-te redutora como quase toda a gente. Sim ou não. Vida ou morte.
- Morte!
- Oh, a morte é tão sobrevalorizada. A morte e o amor. A morte, o amor e as metáforas banais. E se conversássemos apenas?
Ela calou-se por um tempo longo. O silêncio quer responder a tanta coisa ao mesmo tempo, acaba por não dizer mesmo nada, pois não passa disso, silêncio.
- Oh, a morte é tão sobrevalorizada. A morte e o amor. A morte, o amor e as metáforas banais. E se conversássemos apenas?
Ela calou-se por um tempo longo. O silêncio quer responder a tanta coisa ao mesmo tempo, acaba por não dizer mesmo nada, pois não passa disso, silêncio.
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