O senhor Barbosa cuida da sua forma física com discreta aplicação, e quando se levanta faz ginástica respiratória para sentir que mesmo os muito solitários, ainda podem dizer coisas válidas: "Um, dois...um, dois...um, dois..." diz ele em vibrato, depois de ultimamente, ter começado a estranhar o seu corpo junto a si. Nasceram-lhe uns altos novos no dealbar das fronteiras mais susceptíveis a esse crescimento. Ali, no enclave acima da barriga, abaixo dos mamilos. - Quer isto dizer que engordara sem percepção estrita da origem da malfadada gordura aparecida. Ou por outras palavras, talvez fosse altura de começar a pensar em deixar de beber. Sorri mesmo assim. A sua colecção de garrafas vazias amontoa-se na estante, atrás dos livros. Sorri novamente. Porque nem sabe a razão de as esconder aí. (Ou em qualquer outro lado)
O senhor Barbosa engraça-se com a ideia de ainda viver com a mulher e os dois filhos, e de lhes esconder os vícios como antes. Antes de começar a acordar sozinho.
Por vezes não suportava o seu próprio toque, o seu próprio respirar durante as noites. As mãos tornaram-se-lhe ásperas, o bafo, um vapor fétido de limbo. O senhor Barbosa suspeitava que um corpo podia-nos mentir, mas nunca nos enganar. Enganar era a pior coisa que o corpo se ajeita a fazer-nos. Não o permitiria. E, como a sua cama só tinha um lado, começava a existir um corpo estranho ali. Um corpo que já não apetecia agarrar, aquecer-se junto a ele nas noites mais frias.
Mesmo assim agarrou-o. Não tinha a intenção de o deixar fugir. A solidão nunca vê os dentes ao cavalo. Puxou-o para junto de si. A mão subiu-lhe o pijama: quero-te! - Disse-lhe. - Quero-te agora! - E o corpo correspondeu.
Costumava retratar-se deitado, com uma das mãos na anca e a outra apoiada, quase displicentemente no dossel da cama. Regra geral, o senhor Barbosa ficava tão mal nas fotografias que parecia escorado em um grotesco retrato de morto. Justamente como aqueles daguerreótipos de falecidos que antes era normal tirar.
Mas ele quer-me mesmo assim. - Pensou. E mais nada que isso pensou.
De manhã fazia impossíveis acrobacias para não o acordar. Dirigia-se para a casa de banho. Tomava um longo duche. Ele permanecia deitado. A ouvir a água correr. Esticava o braço desde o poli banho e sentia o outro lado de si ainda quente. O senhor Barbosa gostava de começar assim os dias.
O problema era o calor que ainda fazia no final de Outubro e a sua manifestação involuntária em não conseguir ser normal nem para si mesmo. Era um desastre anunciado que o senhor Barbosa esqueceu de mencionar quando se entregou a si mesmo.
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