A busca incessante pela felicidade é
talvez o maior cliché cultural que nos espreita a razão. Por todo o lado se vêm
imagens de deslumbramento e sorrisos que vagueiam pelas redes sociais. Ao virar
da esquina a melhor música de sucesso projectada para celebrar-nos, finais
felizes épicos de Hollywood em belos instantes de instagram, livros de
auto-ajuda a povoarem a maldição da internet, semi-misticas cultas e palestras
sensacionais no espaço de um post, que têm como único objetivo ajudar-nos a
atingir essa experiência fenomenal de acabarmos felizes para sempre, ou mortos
então. Mortos, seríamos talvez mais felizes que a vivermos nestes tempos de
constantes falácias.
Se eu insistisse no
que sei, adiante de tantos assombros, acabaria morto, certamente. E isso, nem
quero saber. Na
internet tornam-se cada vez mais populares as instruções ou dicas ou
roteiros infalíveis para se ser feliz. Sobram os exemplos que temos
desta busca incansável. - Eu até já vi fascistas assumidos a homenagearem o
Salgueiro Maia, amigos a passarem rápido o dedo para baixo das publicações de
outros amigos, tauromaníacos a levarem nos cornos e irresistíveis
pedantes, cheios de medo de não publicarem um livro.
Qualquer palestra sobre a natureza
susceptível da felicidade seria uma tarefa demasiado dura para se escrever em
um só texto, por ser controversa e inevitavelmente imprecisa.
Talvez por sermos projectados para
viver e não para sermos descritos ou mostrados. Independentemente disso, a ansiedade
social que nos coloca na busca pela felicidade é algo desastrosa, em parte porque
a felicidade não deveria ser considerada como uma «obrigação», como um critério
para determinar a riqueza de uma existência em particular ou mesmo, sendo executada como um objetivo de vida.
Pessoalmente, acho muito mais atraente,
a calma sóbria que poderíamos chamar de paz de espírito, algo como nos vermos
frente a um espelho, em silêncio, e recebermos o reflexo de um sossego quase
imperturbável.
E, francamente, não consigo conceber
uma dinâmica em que documentar e partilhar esses momentos onde me sinto
tranquilo comigo, com um ambiente exterior ou a minha interação entre eles, me
possa fazer mais feliz.
Acredito que a felicidade é mais um
estado fugaz que às vezes vem à tona e, como tal, terá que diminuir de volume
vez por outra, não vá afogar-nos. Na verdade, já Dostoiévski nos havia
advertido que a felicidade é o que experimentamos depois de um encontro com as
profundezas da infelicidade, enquanto que, por outro lado, Jung afirmou que,
sem momentos de tristeza, a felicidade perde todo o sentido de ser. Agora que
penso nisso, parecem estar a dizer ambos a mesma coisa, e o que podem saber mais
as pessoas do Facebook ou do Twitter ou de outra rede social qualquer, que
estes senhores não tenham já formulado num livro? Numa palavra: muito! – E é por
isso que eu continuo a retornar.
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