Assumi escrever isto em cinco minutos, sem tempo para hesitações. É só para esvaziar, para não me deixar soterrar pelas avalanchas da inadequação.
Os meus olhos saltam perdidos entre os grandiosos eventos estivais, apanham respingos das fontes iluminadas com os rostos eleitorais, entram pelas bibliotecas dentro, todas maiores que os meus medos. Param nos cafés lotados de soberba, cheios de viciados em exposição, a transbordarem pelas esplanadas, parecem todos mais cansados que eu com as suas roupinhas de férias.
Tanta feieza e formosura juntas que já não tenho certezas sobre como saber separa-las. Ou se devo. Ou se preciso fazê-lo. Ninguém me mandou andar por aqui, ao acaso, a procurar personagens absurdos. Aqui fora, todas as montras são íntimas, e ninguém mostra vergonha de nada comprar. Aqui fora vêem-se os rostos, olhos nos olhos, enquanto rejeitam de frente. Dói, mas é melhor assim.
Durmo e tenho sonhos estranhíssimos em que ajudo pessoas que parecem nem precisar de mim. Afastam-se depois, porque é tudo demasiado estranho para não ser um sonho. Durmo e renego a possibilidade de acordar, por nada mais além de não saber o que fazer com o meu dia, ou com o tempo que me resta para escrever isto
(três minutos agora).
O dia passa tão rápido que por vezes nem luto, nem tenho tempo para lutar. Vejo fantasmas da minha janela. Todos, todos. Quantos milhares de pés já terão pisado a saída daquela paragem do Metro? Quantos olhos tristes já percorreram a praça em frente, quantas mais fotografias aguentarão os arcos do Aqueduto, até ruirem?
A sensação estranha de fazer parte disto tudo, de querer me colocar na borda, e mesmo assim ter um papel nesta história, tudo isto me assusta, mas sigo, pela cidade dentro. Escorreguei na calçada de S.Tiago, os meus pés vacilaram, e aquelas pedras tinham sido todas lavadas de fresco, quase caí. Mas ainda existe alguma força em mim, uma superioridade aos meus medos, limitações.
(Falta 1 minuto, não vou acabar isto a tempo).
Que importa. Deixei de pensar duas vezes no que escrevo e as palavras fluem. Umas vezes com rigor, outras, nem por isso. Quase como uma música insuportavelmente alta na minha cabeça, dizendo-me: bom dia ou foda-se. Páro tudo. Há alguma coisa maior que o desdém gratuito, maior que os meus dedos frios, paralisados pelos medos inadequados, atrasados dois minutos neste instante. Dias há, em que a cidade me devolve gratidão e ponho-me em sossego no regresso. Vou voltar para casa agora. Mais tranquilo e desperto, vou escrever.
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