Avançar para o conteúdo principal

Às vezes sem rumo.




Por cima de uma das janelas acesas podias ser tu. A meio do tumulto que atravessa a rua em dia de feira podias ser tu. 
Às vezes é sexta, outras vezes é para sempre. Ainda parei no canto brilhante onde nos encontramos para te aguardar a aparência. Veio um carro de vidro que passou com urgência, podias ser tu. Nem vi.
Até o tapume de protecção do prédio em construção tem um sorriso pintado, mas não é o teu. 
Podias ser tu sentada neste espaço aqui ao meu lado, a regressares baralhada, depois dos moinhos de vento de todas as palavras. Podias ser tu atordoada de imagens sob os candeeiros suspensos da minha rua, os que aliviam a minha paisagem sentimental. Havia ali uma nuvem vermelha que nos iluminou todo o ardor.
Podias ser tu sem persianas contra o calor. Corri aos campos arrumados em fotografias vivas, procurei por todas as fachadas decoradas com canteiros de surpresas. Tudo te mostrei ao retardador. Quilómetros e quilómetros de linhas escritas em ponto-flor e outros pormenores de natureza indefinida. Cada instante foi uma rendição à possibilidade infinita de cada dia. Não espreites o quartinho de casal onde guardo o amor da minha vida
Chorar que te perdi antes de te conhecer, seria tão claro neste caso que não o faço, só por rebeldia. Podias ser tu, se um lado partisse e o outro ficasse perdido sem saber pra onde correr. 
Mas, não, não é assim. Nem podia. Entre café e fraquezas fiquei a ver se me encontrarias.
E, entre os carros, pelo meio da rua, pulando um muro de noite, poderia ser um outro eu que tu descobririas. 

Comentários

Mensagens populares deste blogue

A queda de um anjo triste.

Desafogados brilhos desta existência, quis olhar em frente, e vi somente escuro. Escuro, escória, lixo, lama e penetrante breu. Quis seguir em frente e não mo permitiram. Quis marcar presença, caí, e fui banido. Quis viver, e fui marcado a fogo com o rótulo do nada. Malditas palavras que me acendem esta vivência, pudera eu ser livre, e não viver por trás deste muro. Ser vento, ou poeira, e correr solto pelo esplendor deste céu. Malditas palavras que de mim emergiram, ainda mal as proferia, e já as via, abafadas em seu ruído, como se fossem pássaros, abatidos em revoada. Como eu mesmo, abatido assim, em tenra idade. Mas sosseguem, pois sou coisa irritante que insiste em não morrer. Malogrado pela estupidez do desprezo, sou, ainda assim, Homem! Homem! Homem... Estou vivo, e não desabo. Desafogado percurso que ainda mal começa, não verás teu fim nesta desdita amordaçada. Quis dizer o que quis, e não me faltou a vontade. Mais fáci...

...Poderia ser maior! Poderia ser um escritor, em vez deste blogue vagabundo que... foda-se!

  "On The Waterfront" 1954 - Elia Kazan

O Artista que faz falta Conhecer

Um dia desenhei um rectângulo largo em uma folha de papel-cavalinho, não foi salto nenhum, pois em anos antigos, já me tinha lançado a fazer rabiscos aqui e ali. Em pastel sobretudo, e uma vez cheguei ao acrílico, mas aquilo eram vãs tentativas sem finesse alguma. As artes plásticas são um mistério ainda, e uma das minhas grandes decepções como ser humano criador. Essa e a música. Creio até que terei começado a escrever por me faltar jeito para o desenho e para os instrumentos de sopro. Assim que voltemos ao meu rectângulo. Esquissei-o de vários ângulos e adicionei-lhes cornijas e janelas. Alguns sombreados. Linhas rectas e perspectiva autónoma, cor e até algum peso acumulado. Longe do real mas muito aproximado deste. Quando dei por mim tinha o Mosteiro (Stª. Clara) desenhado, em traços grosseiros e pôs-me feliz ter chegado ali, até me dar conta que cometera plágio. O meu subconsciente foi buscar o trabalho do Filipe Laranjeira ao banco da memória, e sem me pedir licença, copiou...