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Os movimentos das eleições


Os tempos da democracia unilateral eram outros. Agora é um nadinha mais complicado dizer coisas destas. É que, descontando a formalização dos anos todos iguais, há um subconsciente novo malsão político que emerge em Vila do Conde. 
Sempre esteve por aqui. Isto é, deixado em relativa liberdade ou minimamente condicionado. Por muito que a evolução da cidade e, em reduzidíssima parte, do concelho, tenha demonstrado a necessidade da vida comunitária para a sobrevivência desta unilateralidade, ao fim deste tempo todo, assumiu-se por fim a selvajaria, (expressão por mim utilizada, não pelos brutos em si) e este ano, ao que parece, ganhamos a hipótese de uma eleição possível de chegar de muitos lados diferentes, de tantos movimentos.
Tem os seus méritos óbvios, é natural que tenha. A Democracia necessita das fracturâncias para se lavar de tempo em vez. E romperam-se muitas coisas por aqui. Lealdades, confianças, posturas, dignidades, programas eleitorais, até o bom senso se partiu ao meio, por aqui. No fundo, quase tudo que normalmente constitui a habitual modorra dos processos de eleição autárquica vila-condense, se fracturou em sete pedaços este ano.
É que as pessoas, por regra, prestam mais atenção a estas eleições, numa atitude de autêntico colaboracionismo. Fica aqui mesmo, é já ali ao lado, é fulano que já fez ou sicrano que quer fazer. Há um sentido de integração absoluto que nasce da necessidade do aproveitamento imediato. Quase chega a existir uma translação muito pessoal a cada um, que os atinge ao espaço tributável dos seus próprios jardins. E isso toca mais forte na responsabilidade do voto. 
A Europa fica lá longe, nos outros países. O presidente da República é aquela figura insone de pátina que anda a correr por todos os lados, sem chegar a lado nenhum. Os outros, aqueles que se diz que governam, são todos iguais, seja de um lado ou do outro. Mudam-se as caras, mas não os assentos, e o povo desencanta-se sobremaneira com as legislaturas das cadeiras, ao fim de um certo tempo. Nas câmaras e nas juntas, não. Nada disto é verdade nas Assembleias municipais. 
Ocorre uma educação antiga que recusa os meros limites da campanha, que depende do esforço individual e colectivo por, ao menos, exigir-se uma consciência cívica que contrarie o bicho primário que sempre fomos. E se, até então parecia que eram sempre as mesmas caras para os mesmos assentos, agora, já são mais caras sim, caras diferentes, caras novas, caras que querem romper com tudo. Já as tácticas, não. Vê-se um pouco de tudo igual ao de sempre, ouvindo-se os discursos de quem discursa, mais os meios que lhes dão voz, as reacções que conseguem alguma visibilidade, a indiferença ou o assanhamento conforme o tema, que paradoxal retrocesso este inusitado desenrolar político se está a revelar. 
O sentido e a densidade das palavras varia, em função dos contextos de quem as recebe e interpreta. Exemplo mais contundente, é este meu texto, que sendo lido, será interpretado como cinismo puro por mentes mais tacanhas.
Obviamente que os boletins de voto terão impactos diferentes para o cidadão citadino, mais atento e assíduo aos comícios, e para o cidadão interior, das quintas de lavoura e dos barcos corajosos. Para esses, receio que o passado ainda seja tão omnipresente que facilmente se deixarão guiar pelos símbolos em vez das palavras, ou dos rostos. Isto representa algum perigo que deturpará certamente os resultados ulteriores.
Pensar chega quase a ser um terrorismo. E a carnificina é justificada com a crença em algo que despreza o valor do outro, em efeito, um infiel. Tenho visto muitos desses nos últimos tempos por esta pacatez destruída.
Até Outubro ainda muito se espera de reacção e contra-reacção. A democracia tem este lado bonito do debate livre, e ainda bem que assim é. Contudo, as mentes e corações dos vila-condenses, nunca antes foram assim tão pretendidos como agora. Estas eleições talvez rumem por aí (pelo estereótipo) ou pela placidez com que aceitamos o inaudito, mas a capacidade selectiva de não nos comovermos é o que alimenta o monstro, e o que enfim nos desumaniza na altura do voto. Alguém que nos interpele a sério antes do próximo assalto.

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