É uma obsessão muito minha, reconheço, esta de me enraizar em ideias fixas, até me livrar delas definitivamente e voltar a ficar com o contentor vazio, ajustado a novos conteúdos.
Se calhar, talvez seja mais apropriado, assumir de uma vez por todas que sofro de obsessão compulsiva pelo sentido das coisas.
Por outro lado, é muito incomum da minha parte, chegar aqui e falar descontraídamente dos livros dos outros, sejam estes de grandes génios ou decepções puras, esgadanhadas em papel, por meros profanadores da sagrada arte da escrita. Como escrevo também, não me cabe dizer nada sobre terceiros, só pelo risco de haver quem goste e me chame à atenção por ser melhor crítico que escritor, ou pelo prazer de deitar abaixo quem não merece, pois ninguém merece ser atirado ao chão por tentar seja o que for.
É uma disrupção como qualquer outra, por vezes tentadora, só que não o faço, nunca, jamais... não gosto de provocar desconhecidos nem de me ajoelhar aos pés de vacas sagradas.
Já trocar as voltas ao texto, com vontade daquilo que só pode ser a eliminação do peso das ideias fixas, não hesito, e aqui está.
Faço fé de que qualquer mancebo que se atire de cabeça à escrita, há-de ter em si um grosso caudal de livros lidos e relidos na bagagem. A meu ver, espontânea é a combustão, a arte de escrever é um processo de chorar sozinho, que dura o tempo que passar até nos secar as ideias justas e depois acaba-se. Para isso são necessárias as ferramentas do oficío. A dos escritores, são os outros escritores. Os que lhe vieram antes, e os que vivem no seu tempo. Sem a ajuda destes, o escritor faz por brotar palavras que muitas vezes, nem sequer haveriam de ser semeadas. Há tanta infertilidade nos escritores analfabetos, é como se andassem nus pelas páginas sem se aperceberem que os vemos em pelota.
Ler, ler, ler muito é o caminho, para se ser bom escritor, tudo o resto são artifícios que se arranja para parecer diferente daquilo que alguém já foi. Mas é tudo mentira, não somos, ninguém o é verdadeiramente, apenas alguns fingem ser melhor do que a maioria. Ando sempre a ler, menos quando escrevo. Parecerá isto um oxímoro, mas é mais seguro assim. Quando leio estudo para os exames, e quando escrevo não posso ter cábulas à mão.
De modo que, voltando às ideias fixas, decidi parar, fez três meses a esta parte, com o livro que vinha escrevendo para insistir na leitura de um romance que se instalou na minha mesinha de cabeceira como um parasita, porque fui incapaz de o ler, sete vezes seguidas, ainda que simultaneamente tenha sido também incapaz de dizer: desisto.
O livro é "A Piada Infinita - Infinite Jest" do David Foster Wallace, Quetzal Editores, novembro de 2012, um portento existencialista de mil páginas para cima, quase um romance enciclopédico, derivado não só do mundo ficcional que ele ali criou, mas também pelas infindáveis 388 notas de rodapé que o compõem, desanimando tanto a sua leitura, quase quanto aparentemente desanimou ao seu autor a escrita do mesmo. O homem acabou morto pelas próprias mãos, e o livro, uma gigantesca comédia-negra sobre a busca da felicidade na América, centrado em uma academia de ténis e em redor de um centro de reabilitação ali ao pé, debruça-se sobre os temas do suicídio, das complicadas relações familiares, das teorias cinematográficas e até da possibilidade da desagregação do Quebec dos estados conjuntos do Canadá.
A páginas tantas sucumbi ao pecado de tentar escapar à pressão de o terminar, assistindo ao filme "End of the Tour" James Ponsoldt 2015, sobre uma série de entrevistas que o jornalista da Rolling Stone, David Lipsy fez a Wallace no curso de um período de cinco dias, logo após a publicação deste seu épico, em 1996. Recorri ao filme para que me explicasse a obsessão dentro da obsessão, mas foi tudo infrutífero. O cinema pintou o retrato da sua personalidade e abriu algumas portas à percepção das suas intenções de abrir cabeças dentro do livro, mas não só não mas explicou, como me senti sujo e batoteiro, por tomar um atalho à minha resolução em o ler.
Conquanto nada se tenha provado desta correlação homem/escritor, há uma anedota de mau gosto que a ele se colou além-vida. De que Wallace, com a sua história distópica sobre o vício e a derrocada da cultura do espectáculo, tenha deliberadamente criado a piada infinita menos engraçada de sempre.
De cada vez que lhe retomava a leitura, perdia logo a vontade e reforçava-se-me a ideia de que estava somente a obrigar-me a fazê-lo. Contudo, em determinada altura teria mesmo de o terminar, não fosse ficar num frémito contínuo por privação de fecho. Fi-lo agora, e está tudo dito. Amanhã estou de volta ao meu próprio mundo escrito.
Se calhar, talvez seja mais apropriado, assumir de uma vez por todas que sofro de obsessão compulsiva pelo sentido das coisas.
Por outro lado, é muito incomum da minha parte, chegar aqui e falar descontraídamente dos livros dos outros, sejam estes de grandes génios ou decepções puras, esgadanhadas em papel, por meros profanadores da sagrada arte da escrita. Como escrevo também, não me cabe dizer nada sobre terceiros, só pelo risco de haver quem goste e me chame à atenção por ser melhor crítico que escritor, ou pelo prazer de deitar abaixo quem não merece, pois ninguém merece ser atirado ao chão por tentar seja o que for.
É uma disrupção como qualquer outra, por vezes tentadora, só que não o faço, nunca, jamais... não gosto de provocar desconhecidos nem de me ajoelhar aos pés de vacas sagradas.
Já trocar as voltas ao texto, com vontade daquilo que só pode ser a eliminação do peso das ideias fixas, não hesito, e aqui está.
Faço fé de que qualquer mancebo que se atire de cabeça à escrita, há-de ter em si um grosso caudal de livros lidos e relidos na bagagem. A meu ver, espontânea é a combustão, a arte de escrever é um processo de chorar sozinho, que dura o tempo que passar até nos secar as ideias justas e depois acaba-se. Para isso são necessárias as ferramentas do oficío. A dos escritores, são os outros escritores. Os que lhe vieram antes, e os que vivem no seu tempo. Sem a ajuda destes, o escritor faz por brotar palavras que muitas vezes, nem sequer haveriam de ser semeadas. Há tanta infertilidade nos escritores analfabetos, é como se andassem nus pelas páginas sem se aperceberem que os vemos em pelota.
Ler, ler, ler muito é o caminho, para se ser bom escritor, tudo o resto são artifícios que se arranja para parecer diferente daquilo que alguém já foi. Mas é tudo mentira, não somos, ninguém o é verdadeiramente, apenas alguns fingem ser melhor do que a maioria. Ando sempre a ler, menos quando escrevo. Parecerá isto um oxímoro, mas é mais seguro assim. Quando leio estudo para os exames, e quando escrevo não posso ter cábulas à mão.
De modo que, voltando às ideias fixas, decidi parar, fez três meses a esta parte, com o livro que vinha escrevendo para insistir na leitura de um romance que se instalou na minha mesinha de cabeceira como um parasita, porque fui incapaz de o ler, sete vezes seguidas, ainda que simultaneamente tenha sido também incapaz de dizer: desisto.
O livro é "A Piada Infinita - Infinite Jest" do David Foster Wallace, Quetzal Editores, novembro de 2012, um portento existencialista de mil páginas para cima, quase um romance enciclopédico, derivado não só do mundo ficcional que ele ali criou, mas também pelas infindáveis 388 notas de rodapé que o compõem, desanimando tanto a sua leitura, quase quanto aparentemente desanimou ao seu autor a escrita do mesmo. O homem acabou morto pelas próprias mãos, e o livro, uma gigantesca comédia-negra sobre a busca da felicidade na América, centrado em uma academia de ténis e em redor de um centro de reabilitação ali ao pé, debruça-se sobre os temas do suicídio, das complicadas relações familiares, das teorias cinematográficas e até da possibilidade da desagregação do Quebec dos estados conjuntos do Canadá.
A páginas tantas sucumbi ao pecado de tentar escapar à pressão de o terminar, assistindo ao filme "End of the Tour" James Ponsoldt 2015, sobre uma série de entrevistas que o jornalista da Rolling Stone, David Lipsy fez a Wallace no curso de um período de cinco dias, logo após a publicação deste seu épico, em 1996. Recorri ao filme para que me explicasse a obsessão dentro da obsessão, mas foi tudo infrutífero. O cinema pintou o retrato da sua personalidade e abriu algumas portas à percepção das suas intenções de abrir cabeças dentro do livro, mas não só não mas explicou, como me senti sujo e batoteiro, por tomar um atalho à minha resolução em o ler.
Conquanto nada se tenha provado desta correlação homem/escritor, há uma anedota de mau gosto que a ele se colou além-vida. De que Wallace, com a sua história distópica sobre o vício e a derrocada da cultura do espectáculo, tenha deliberadamente criado a piada infinita menos engraçada de sempre.
De cada vez que lhe retomava a leitura, perdia logo a vontade e reforçava-se-me a ideia de que estava somente a obrigar-me a fazê-lo. Contudo, em determinada altura teria mesmo de o terminar, não fosse ficar num frémito contínuo por privação de fecho. Fi-lo agora, e está tudo dito. Amanhã estou de volta ao meu próprio mundo escrito.
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