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A Grande Cisma







Certa altura, alguém, cedeu um pouco do seu precioso tempo neste mundo para se dirigir a mim e dizer-me: - "Queixas-te demasiado! És choramingão, um escritor maçador! - Claro que aquilo, foi um instante passageiro, mas senti um notório desconforto a espigar-se-me cá dentro, desde então. Ao primeiro sinal de contrariedade parto ao combate e escrevo. Não é tudo quanto posso fazer, mas, na maioria das situações, é o melhor que arranjo como solução.
Na altura fiquei a olhar para aquelas palavras (que foram escritas, não ditas) engoli o desconforto e perdi-me em uma ligeira sofreguidão. Ainda que, pudessem estas simples frases morrer ali, na minha crescente ansiedade, não lhes permiti o fim. Isto é dos piores erros com que a natureza humana nos atrapalha e também o que mais nos aproxima dos grandes herbívoros; ruminamos. Assim o fiz, por longas semanas e semanas. Afligia-me constantemente com aquelas palavras acutilantes, receando que, se me desculpasse de algum modo, estaria a mostrar fraqueza, em efeito, a choramingar. Se, por outro lado, lhe contrariasse as afirmações, mostrar-me-ia só obstinado, incapaz de as perceber inteiramente, o que, de todos os modos, revelar-me-ia igualmente maçador, pois quem refuta sem questionar a razão, fica sem pé em um instante, e, mais tarde ou mais cedo, cai.
Poderia, claro, tomar dois caminhos: seguir em frente e ignorar ou perguntar-lhe efectivamente porquê? - Não o fiz. Estas questões fazem mais sentido ao momento do diálogo. Passado a curvatura suficiente de tempo, tornam-se inúteis, a roçarem a obsessão. Tampouco seria alguém de suma importância meritória dessa exposição. Logo, uma nova fraqueza se avizinhava visível. Primeiro o medo face ao que me foi dito. Estaquei literalmente. Lembro-me de ter ficado largos minutos a olhar para o brilho do écran. Talvez acreditasse que aquelas palavras se sumiriam e as coisas por ali acabassem. Depois, a impiedosa cisma que me tolheu rapidamente qualquer reacção ulterior, e por fim, a sensação de vergonha por ter recebido tão duro golpe de alguém, basicamente, desimportante para mim, tendo-me deixado ficar rebentado, sem opção de revanche. 
Deixei o tempo correr e as semanas transformaram-se em meses que só me avolumavam o peso daquela dúvida. Serei realmente um infeliz escritor choramingas e medíocre?
Sempre me havia julgado mais ou menos duro, longe de ser forte, porém, muitas vezes inflexível em revelar as emoções mais presentes. Talvez que, porque sempre me considerei assim, não tenha podido reagir de imediato. O primeiro equívoco foi assumir que um rosto de póquer trespassa pelo silêncio de uma conversa em mensagem instantânea, o segundo, foi a imensa covardia do mesmo silêncio que permitiu que esta assentasse.
Talvez não me acreditem, mas os meses somaram-se em quase dois anos, levando fixa aquela criatura monstruosa em meus devaneios. Tal foi o seu impacto na minha psique que acabei distante de tudo o mais que até então fora o conjunto de coisas e pessoas que formavam a minha vida. Tanto me marcou as simples frustrações mais comuns, que acabou por encorpa-las em uma gigantesca. Aprisionou-me em um alto solitário, onde só eu existia pendurado. Fechei-me ao mundo e desci todos os degraus que encaminham qualquer um ao fac-simile de um inferno em vida. Recordo-me os olhos claros bisonhos, a boca dura, o ar ensimesmado, enquanto vagueava para ali, num limbo dos meus próprios fracassos. 
Poderia arrumar este episódio da minha vida em um rodapé, sem grande esforço de minudência. Sei que o mal interior é sempre mais tenaz do que o bem, e em tempos de desajuste, isto provoca muita cautela nos fracos. Porém, de ver tanta gente, a desligar-se da malograda desordem do meu mundo, acabei a cuspir mais azares pela boca.
Em derradeiro desespero de libertação rápida, tentei por fim à minha vida, e, até isso também falhei.
Concluo agora que chorar com justiça é um golfo quente de liberdade. Jamais encerrarei qualquer queixa que possua e deva de ser purgada. A falsa sensação de segurança destrói-nos o tecido da individualidade. Lá porque se definiu que mostrar fraqueza é em si mesmo uma fraqueza ainda maior, e devemos a tudo custo evitar fazê-lo, isso não significa que seja algum dogma incontornável. Sou e serei choramingas, sim, e não é certo que saiba substituí-lo por outra coisa, se é que me cabe escolhê-lo. Se for guardar todos os queixumes sem os verter para a luz, viver passará a ser mais doloroso que morrer.





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