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O veículo que vai dar entrada no cais 1 destinava-se ao prelo, mas...


Hermenegildo Almeida gerou Gabriel, e mais nenhum. Gabriel degenerou, não concebeu e coube ao Luís Bruno gerar um outro Gabriel, um pouco mais pequeno, mas menos sisudo que o original, pouco menos. Alberto e Adosinda Bruno eram seus meios-irmãos. Esta segunda, por ser boa fêmea parideira, gerou também uma linhagem de outros tantos Brunos iguais a si mesma, de ancas largas e buço perpétuo, e tornou-se especial, por motivos que explicarei mais para a frente. Alberto veio a ser o fundador da sua própria casa e gerou uma estranha acção popular que também será mencionada mais adiante.
O Segundo Gabriel, por seu turno, também não gerou.
Alberto, igualmente de boa sementeira, gerou em demasia, muito embora, dos muitos que surgiram da sua semente, apenas tivesse perfilhado dois. Dos que lhe nasceram do lombo, o melhor foi o Fontino, que teria sido grande, não tivesse saído tão baixo e macambúzio como o Gabriel original, a quem, convenhamos, nada devia em termos genealógicos.
O quinto e último filho de Adosinda Bruno, Jeremias Bruno, esquecido por muitos pelo feitio atoleimado, saiu desta terra ainda novo, voltou depois e gerou Cassiano Bruno, único filho, que acabou por aderir ao movimento do tio-avô Alberto e perdeu-se para sempre.
A primogénita de Adosinda, Felicidade Bruno, perdeu-se também, mas de amores encarniçados pelo segundo Gabriel. Só havia meio sangue a uni-los, mas, o sempre presente escândalo do incesto naquela comunidade tão cerrada, foi demasiado, pois era seu tio à mesma, metade pelo menos. Enlouqueceu a meio desta paixão proibida e tomou hábito monástico no vetusto convento lá de cima. Fica a sua história por contar.
O seguinte na linhagem viria a ser Bruno Bruno, segundo filho de Alberto, e baptizado com um nome cristão em tudo idêntico ao apelido de família, excepto na sua importância, pois todos sempre o reconheceram como o pequeno Adosindo, por ser a cara chapada da tia. Permaneceu próximo do ninho ancestral, secretamente gerando bastardos pelo concelho como o pai e o tio. Esteve sempre tão próximo, que ninguém lhe conheceu nunca o paradeiro final.
Gabriel tentou gerar, mas nunca soube como. Gabriel o Segundo, solidário, emasculou-se de embaraço, perdendo para sempre o seu carácter varonil.

Porém, tudo isto aconteceu depois. A vida e o futuro só vieram mais tarde, a história verdadeira começou mais ou menos assim: (...)

Excerto do Romance (por publicar) "Duas Vidas sem Importância"
Miro Teixeira
2007

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